Crônica da manhã
por Miguel Boisseleau
Nossa primeira crônica amadora
por Miguel Boisseleau
Nossa primeira crônica amadora
Uma
manhã
Quando
eu acordei hoje, vi que estava inconsciente. Não via nada, nem mesmo
um raio de luz. Tudo estava tão escuro e tenebroso, fiquei com medo.
O desespero veio, tentava com todas as minhas forças entender o que
era aquilo que sentia. Será que morri? Tentei me debater, nada,
nenhum movimento, somente minha respiração absurdamente lenta. Meu
pé formigava, sentia o lençol caindo de minha perna. Tentei sentir
o resto do meu corpo. A partir do toque, eu pensei no meu nariz. O
cheiro era bem comum, um cheiro morno de uma fronha recém trocada;
se hoje for a última manhã, sentirei falta deste cheiro querido.
Cheguei à conclusão que estava preso em mim mesmo. Não sabia o que
estava acontecendo. Isto durou alguns segundos, até o momento em que
decidi ficar consciente e abrir os olhos para o sol.
Esta
manhã me pareceu muito estranha... Ficar consciente da minha
inconsciência é coisa do bicho peludo, ou talvez não. Escrevi um
pouco em meu caderno de rascunhos e decidi que era necessário tomar
uma providência em relação a este acontecimento. Me lembrava muito
das aulas sobre Freud, mas nada que pudesse fazer com que eu
entendesse o que me tinha acontecido.
Liguei
para um amigo que tinha passado por algo semelhante, e pedi para ele
me encontrar na Travessa às quatorze horas.
Cheguei
cedo demais. Meio dia e trinta, lá estava eu vasculhando a Rússia
ocidental e oriental, à procura dos Possuídos
ou
dos Demônios.
Eu queria descobrir aquilo que interrompia meu sono, e que não me
dava controle sobre meu corpo.
Eu
menti... Não é a primeira vez que isso me acontece. Já faz algumas
semanas que estou perturbado por tudo que tem acontecido. Acordar,
levantar, sentir o sol, ler, escrever, estudar, dar atenção ao
mundo... Nada mais faz sentido; pelo menos não diante desta rotina.
O pior de tudo, não é fato de eu acordar com medo, e sim do fato de
eu dormir com esperanças. Há uma grande diferença nisto. Acordar,
segundo poetas, é querer estar consciente daquilo que nos torna
inconscientes. É sentir com prazer as lágrimas escorrendo pelo
pescoço após uma decepção, ou amar ter um coração partido, ou
até ficar feliz ao saber que o sofrimento veio, ficou e voltará.
Dormir, segundo arquitetos, é não querer estar consciente na hora
da vida. É pular nas folhas caídas de outono, ou abraçar um ente
querido que não vimos por dois dias, ou até mesmo detestar ter que
sair mais cedo de um encontro familiar.
Meu
amigo chegou, com suas olheiras bem visíveis:
- Miguel! Há quanto tempo não nos vemos, como tem passado?
Conversa
rolou, se entortou, revirou... Após passar pelas necessidades
básicas, me permiti abordar o assunto tão esperado.
-
Entendo, você acha então que não é nada grave? Que é uma
besteira? Que estou paranoico e obcecado pela dor? Talvez você
esteja certo. Estar consciente é tão bom. Poder sentir as minhas
veias pulsando a cada passo que dou em direção ao abismo. Parece
que sou mais um alvo, ele olha tanto para mim... Mas nunca consegue
me puxar até ele. Eu brinco muito com este nosso parente; acho que é
isso que me faz dormir toda manhã.
Me
despeço do meu amigo, o acompanho até a porta da livraria e digo
que vou ficar mais um tempo por aqui. Volto correndo pra Sibéria.
Me
despeço da Travessa e volto para casa. Abro a porta do meu prédio,
subo para o meu andar, abro a porta de casa e deito no chão.
Eu
sinto medo de não sofrer.
Miguel
Boisseleau, Rio de Janeiro 30 de junho de 2018.
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