quarta-feira, 17 de julho de 2019

Capitão Fantástico e o Paradoxo da Fuga

Capitão Fantástico e o Paradoxo da Fuga
por Luca Szaniecki Cocco

Uma breve reflexão sobre o filme "Capitão Fantástico" e a ideia de Fuga para a Natureza ou toda forma de fuga utópica.




Filmes como Capitão Fantástico ou Na Natureza Selvagem (“Into the Wild”) me tocam particularmente. Não necessariamente pela sua qualidade cinematográfica (que nem é tão boa assim, admitamos, apesar da linda fotografia), mas pela sua mensagem. Desde pequeno sempre me interessei pela natureza, sua fauna e flora, e diante de um mundo tão perigoso, cinza e violento, via na Natureza uma possibilidade de fuga, de alívio, uma utopia realizável e possível que se construía conforme a distância com o “mundo real” é maior. Embora ainda possua certa afinidade com o mundo natural, já não o vejo mais da mesma maneira.

A conclusão de ambos filmes mostra justamente o problema da fuga “objetiva”, ou seja, a fuga física para um lugar distante e isolado: a solução não está em fugir de nosso mundo capitalista, globalizado, etc., mas sim em construir outro mundo dentro dele mesmo. Criar pequenas constelações de possíveis dentro do nosso contexto de crise atual. Na verdade, “solução” tampouco é a palavra certa, porque solução sugere um modelo, implica decisões fáceis e muitas vezes autoritárias e/ou arbitrárias. Experimentação ou improvisação seriam mais convenientes.

A fuga para a natureza não é uma novidade no nosso imaginário coletivo. Rousseau já o havia idealizado, inspirando toda a geração romântica, Henry David Thoreau e seu “anarquismo verde” sendo um de seus principais representantes. Levando a um contexto brasileiro, nosso maior cronista brasileiro, Rubem Braga, também era um apaixonado pela natureza.

No final, todos os que citei acabam percebendo o seu erro. No caso menos trágico, depois de anos vivendo na Natureza, ensinando e treinando seus filhos, o Capitão Fantástico finalmente decide voltar relativamente à vida dos homens. Embora não tenhamos muitos detalhes, fica claro que a família agora possui casa e os filhos frequentam a escola, ao mesmo tempo em que não abandonaram alguns de seus princípios naturais. Até Thoreau, apesar de sua longa estadia no lago Walden, nunca deixou de lado seu ativismo político, ou seja, nunca deixou definitivamente de lado o mundo dos homens. Rubem Braga, depois de anos idealizando a Natureza à imagem de sua pequena cidade natal capixaba, também percebeu a importância de criar uma geografia limítrofe entre Cultura e Natureza ao invés da fuga: seu apartamento na rua Barão da Torre em Ipanema era um verdadeiro “jardim voador”, por exemplo.

Enfim, talvez o caso mais trágico de todos, Christopher McCandless, o Supertramp, protagonista de Into the Wild, depois de meses viajando através dos Estados-Unidas e sua natureza selvagem, acaba perecendo por causa da natureza que ele tanto idealizava. Tal é o paradoxo: para fugir do mundo devemos construir um, e não apenas fugir fisicamente para um lugar distante. Ou melhor, ao fugir, as chances de reproduzirmos o que fugimos são maiores. 

Trata-se, justamente, de converter, redirecionar, o “chamado da Natureza” (“Call of the Wild”) de Jack London, de trazê-lo ao nosso mundo no objetivo de mudá-lo. Infelizmente, Christopher só percebeu isso alguns momentos antes de sua morte, ao escrever sua última anotação: “Happiness is only real when shared”


Um comentário:

  1. (...) "Devíamos admitir a natureza como uma imensa multidão de formas, incluindo cada pedaço de nós, que somos parte de tudo: 70% de água e um monte de outros materiais que nos compõem.

    E nós criamos essa abstração de unidade, o homem como medida das coisas, e saímos por aí atropelando tudo, num convencimento geral até que todos aceitem que existe uma humanidade com a qual se identificam, agindo no mundo à nossa disposição, pegando o que a gente quiser.

    Esse contato com outra possibilidade implica escutar, sentir, cheirar, inspirar, expirar aquelas camadas do que ficou fora da gente como "natureza", mas que por alguma razão ainda se confunde com ela.

    Tem alguma coisa dessas camadas que é quase-humana: uma camada identificada por nós que está sumindo, que está sendo exterminada da interface de humanos muito-humanos.

    Os quase-humanos são milhares de pessoas que insistem em ficar fora dessa dança civilizada, da técnica, do controle do planeta. E por dançar um coreografia estranha são tirados de cena, por epidemias, pobreza, fome, violência dirigida." (...)

    #AiltonKrenak

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