sábado, 15 de junho de 2019

Crônicas Amadoras #6: Kamasi


Kamasi
por Luca Szaniecki Cocco

Uma crônica amadora quase toda semana...










Kamasi


Havia esperado vários anos por essa ocasião. Para meu infortúnio, conheci a música de Kamasi Washington e sua banda, o West Coast Get Down, logo depois de terem se apresentado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, experiência que deve ter sido incrível para todos os presentes. No momento em que soube disso, apenas gritei de raiva. Aquela música havia mexido comigo, e descobrir que o chamado de “Embaixador do Jazz” moderno havia estado a alguns quilômetros de distância de minha casa me abalou. Depois desses vários anos esperando para satisfazer minha frustração, finalmente tive a oportunidade de ver um dos maiores músicos da atualidade no Circo Voador, na Lapa.

Lá estava eu bem na frente do palco para tentar absorver o máximo possível daquele som maravilhoso (e me ensurdercer graças às caixas de som). Quando a banda entrou fiquei em completo choque. Nunca imaginava que pudesse ficar tão perto dos meus ídolos. A banda, desta vez composta por Miles Mosley, Patrice Quinn, Brandon Coleman, Ryan Porter, Tony Austin, Ronald Bruner Jr e, é claro, Kamasi Washington, me apareceu com um panteão de deuses. Além da altura que lhe dava o palco, os seus instrumentos e até sua própria estatura e corporalidade me pareciam épica demais para meros mortais. O lindo traje africano de Kamasi apenas contribui ainda mais para a criação dessa atmosfera de admiração. Não é a toa que seu primeiro álbum é intitulado “The Epic”.

Porém, após alguns minutos de atordoamento, não demorou muito para que começassem a tocar e senti como se aqueles deuses tinham descido ao mundo mortal. Ao mesmo tempo em que mostravam suas habilidades insanas em seus respectivos instrumentos cujos solos hipnotizavam a plateia, eles também se mostravam mais humanos do que nunca. Justamente, não eram incríveis em sua "sobre-humanidade", mas sim na sua mais pura, simples e heterogênea humanidade.

As frases eletrônicas de Coleman, a virtuosidade e espiritualidade de Kamasi, uma verdadeira mistura de Charlie Parker (a virtuosidade no saxofone) e John Coltrane (a espiritualidade), o quase-transe de Quinn, o diálogo insano de pura corporalidade entre Austin e Bruner e a pura energia rock’n’roll de Miles (algo inusitado para um contra-baixista) era o que os tornava mais humanos. De fato, eles não são lendas nem ícones, são apenas seres humanos tentando mudar o mundo com sua música. Apesar dos breves discursos de Kamasi durante o show, a verdadeira mensagem da banda passava por aquelas notas, ritmos, harmonias e melodias e como estas se relacionavam corporalmente e espiritualmente com entre si e com a plateia. Tal definição pode ser muito bem aplicada à própria ideia de improviso: a capacidade de conjugar corporalmente a espiritualmente a manifestação individual e coletiva. 

O show entregou incrívelmente potentes performances de grandes canções de seu repertório: Street Fighter Mas, Abraham, The Rhythm Changes e Truth. Kamasi preenchia os intervalos entre as músicas com pequenos e lindos discursos sobre união e amor. Contudo, a mensagem já estava presente na energia daquelas músicas que misturam gêneros tão heterogêneos quanto o jazz, o rock, o funk, a eletrônica, a música clássica, ritmos africanos, modalidades indianas, até mesmo o heavy metal, compondo uma mensagem musical de união e amor que mexe profundamente com seus sentidos. Em um certo momento, por exemplo, lembro de fechar os olhos e me imaginar escutando vozes dignas de um ritual religioso, como se eu tivesse tomado carona em uma linha de fuga espiritual.

Enfim, apenas queria compartilhar essa minha experiência na qual também pude compartilhar com amigos. Também queria aproveitar para formular melhor o que tenho tentado dizer: às vezes, mais frequentemente do que pensam, a fala não é capaz de expressar e interpretar o mundo em que vivemos e, quando isso ocorre, a música se torna verdadeira linguagem universal.



Luca Szaniecki Cocco

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