Uma Criança E Um Metrônomo
por Miguel Boisseleau
Ontem
eu estava passeando perto de uma praça. Por mais incrível e
extraordinário que possa parecer, havia uma criança. Uma daquelas
que perguntamos de onde veio, por que veio, como veio e para onde
vai... aquele clichê. Ela tinha em uma mão um graveto, batia com
ele em cada dedo da outra, e mostrava a todos um pequeno sorriso.
Ela
ria.
Tum...
Tum... Tum... Tum... Tum... e recomeçava. Às vezes seu braço
tremia, talvez ela batesse forte demais nos dedos.
Mas
naquele momento, era outra coisa. Não havia mais “criança”. Eu
via um metrônomo em um ritmo de 5 por 4. Um, dois, três, quatro,
cinco... Era perfeito. O instrumento era melhor que qualquer outro
que já tinha visto. Não havia erros, não havia deslizes. Ela não
apressava o tempo e nem o desacelerava. Cada batida ressoava em seu
corpo, uma mistura de madeira com carne. Seus ossos, enferrujados,
mantinham uma pulsão semidivina. Chegou a um ponto, que os
batimentos se tronaram dignos da atenção do mundo inteiro; não das
coisas, mas da atenção dos fatos. Tudo girava em torno deste 5 por
4. O passado era uma batida, o presente era uma batida; e o futuro se
mostrava com certeza, uma clareza única que nunca poderemos
experimentar. Com um metrônomo, sabemos aquilo que há de chegar.
Somente uma pureza única vivia.
Era
tudo tão límpido, que de repente o Tempo parou.
O
metrônomo não se mexia mais, nenhum som saía, nenhum barulho...
nada.
Absolutamente
nada. Eu fiquei com medo e comecei a gritar para ver se a criança se
mexia. O metrônomo já tinha falecido. Os braços dela ainda
tremiam, mas nada encostava seus dedos agora, nem mesmo o vento fraco
que passeava. As articulações tentavam exercer seu trabalho, mas
era uma paralisia mais grave do que se pode imaginar. Os braços
tremiam cada vez mais. As veias pulsavam. Os olhos fixavam os dedos:
sentia-se o cheiro de pavor.
Uma
lágrima caiu do rosto da criança, ela recomeçou: um, dois, três,
quatro, cinco…
O
desespero me atingiu. O metrônomo ficava cada vez mais límpido,
perfeito. Era esplêndido o quão preciso os batimentos eram. Eu não
conseguia suportar o olhar da criança de medo, de angústia, de
pavor.
O
tempo acelerou, foi ficando mais rápido. Cada vez mais rápido; o
tempo entre as batidas diminuía, tudo estava indo tão depressa, eu
não conseguia respirar nem mesmo mexer os ossos do meu corpo preso a
uma carne tremula de pavor e ódio por aquela perfeição
sobre-humana. Mais lágrimas caiam do rosto da criança. Eram gotas
do tamanho de mares; eram oceanos de incerteza.
Todo
este terror se manteve. Não se enxergava mais o fim, muito menos o
começo.
Um,
dois, três, quatro, cinco...
Tum...
Tum... Tum... Tum... Tum...
A
criança gritou. Um som tão genuíno, tão perfeito...
Ela
caiu no chão. Eu não conseguia me mover. Sem razão suficiente que
pudesse sustentar este acontecimento absurdo, a criança se evaporou
em um sopro de vento.
Só
restou o metrônomo, o pavor, um susto, um medo; e os simples e
perfeitos batimentos do coração da criança.
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