Gosto
de escrever sobre pessoas. Elas são feias e chatas, como eu, mas bem
interessantes. Também gosto de abraça-las. Ontem de noite ouvi duas
pessoas bem feias conversando. Tanto faz a vida privada delas, são
meus personagens. Sendo
assim, posso falar do que eu quiser e a qualquer momento. Meia-noite
e dois, e uma cobertura no Leblon.
O
marido andava de um canto da sala ao outro, batendo firmemente o pé
no chão e esperando, em vão, causar um ar de descontento. Sua
mulher tinha jogado seus pertences fora, ela havia descoberto que ele
a traía. Imagino que as coisas já não estavam mais tão
interessantes entre os dois, infelizmente. O homem, preocupado com a
opinião que seus amigos fariam dele, se encontrava preso em uma
reflexão tão profunda, e tão vã, sobre como tornar a situação
ao seu favor. Talvez ele até preferisse uma forte dor nas costas do
que este peso na consciência.
Não
é fácil viver com culpa.
A
mulher, sentada à mesa, chorava uma lágrima solteira, virgem, tão
inocente e tão sabia. Ser digno da confiança de alguém vai muito
além de flores e carinhos, a raison
d’être desta virtude seria, se eu
tiver bem vivido até aqui, a honestidade. Não pelo dever de sermos
honestos e humildes frente ao mundo, pois já sabemos isto e não
preciso repetir, mas sim pelo amor que devemos ao Amor. A esposa viu
um mundo se acabar aos seus pés. As flores já não valiam mais
nada, muito menos os cuidados (se é que eram honestos). Ela só
queria acreditar de novo no amor.
O
homem gritava com ela. Mas por que razão? Por ele ter sido um
incompetente? Por ele não saber assumir seus erros? Ou talvez, por
ele querer experimentar novas carnes, pois, a este ponto os corpos se
tornaram objetos. Eu não quero saber. Já tenho minhas culpas e
desculpas, não preciso saber dos erros dos meus personagens, não
agora. Eles se vão tão rápido como degraus em queda. Já o marido,
faz de seu triunfo um passo mais perto daquilo que ele procura tão
em vão: uma felicidade inútil, banal, amaldiçoada, nula.
Nada
mais faz sentido, nem mesmo o final dessa crônica.
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