RESUMO:
Esse texto propõe uma reflexão sobre o ato de improvisar. Primeiro,
a partir da análise do filme Deus
e o Diabo na Terra do Sol
(1964), pensado junto com uma leitura do livro O
Homem Revoltado
(1951) de Albert Camus, focando nas questões da revolta e do
improviso de vida do personagem principal do filme. No segundo
momento, é desenvolvida a questão do improviso na cena musical
desde os tempos da escravidão até os movimentos socioculturais mais
recentes que levam a defini-lo como resistência aos processos de
dominação.
Palavras chaves:
Revolta; Resistência; Improviso; Cinema novo.
Deus e o Diabo na
Terra do Sol
foi dirigido em 1964 por Glauber Rocha, um dos fundadores do Cinema
Novo, um grande pensador da questão da potência dos pobres,
defensor da Estética da Fome e também de outra, uma estética
anti-dialética e do improviso, como tentarei demonstrar aqui. Este
filme possui uma mensagem extremamente pertinente, não apenas para
sua época (precursora dos movimentos de 1968) mas também para
hoje,
em tempos de extremismos e divisões (materiais e intelectuais).
Tempos supostamente dialéticos de antagonismos, para ser mais
preciso.
Com
efeito, o filme apresenta uma estética de dualidades e lido à luz
d’O
Homem Revoltado,
de Albert Camus, o homem faminto de Glauber Rocha é um homem
complexo e que depende dos improvisos que cria para escapar aos
poderes contra os quais se confronta. Esses improvisos estão
presentes nas cenas e na música desse filme realizado por um
cineasta que definia sua prática como “uma câmera na mão e uma
ideia na cabeça”.
Sobre as dualidades
e complexidades da Estética da Fome
Em uma primeira
análise do filme, mais ampla, percebemos que ele é inteiramente
baseado e trabalhado ao redor de dualidades e oposições, tal como a
sociedade brasileira. Primeiramente, o título faz diretamente
referência à certa dualidade religiosa: Deus e o Diabo se encontram
no sertão. O segundo fator mais explicito é o próprio fato do
filme ser realizado em preto e branco (por razões econômicas
também, imagino). Além desses dois fatores mais explícitos e
fáceis de captar, há uma longa série de imagens que jogam com essa
ideia: Manoel segura a faca com uma mão e o Cristo com outra em uma
determinada cena, Corisco divide sua face em duas com seu punhal
(conferir a icônica imagem do cartaz), Antônio das Mortes e João,
o cego, são separados por uma viga de madeira, entre muitas outras
imagens.
Analisando mais
profundamente, podemos ver que os personagens também são claramente
divididos em suas personalidades e no que eles representam e
acreditam. Agora veremos alguns exemplos.
Manoel, o
protagonista, evolui de trabalhador para assassino, depois de beato
fanático para cangaceiro e no final ele é um homem que busca um
recomeço e que foge dos tiros de Antônio das Mortes, a
ponto de largar sua esposa caída pelo caminho.
É importante marcar que Manoel e Rosa são típicos personagens da
Estética da Fome que Glauber defende no Cinema Novo. Manoel e Rosa,
como outros personagens do Cinema Novo, sentem a fome, matam para
comer, fogem para comer. Assim como Glauber explica em seu manifesto:
“a
originalidade (do
Cinema Novo)
é nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida,
não é compreendida”
(ROCHA, 1965). Não é à toa que a primeira imagem do filme é a
carcaça de uma vaca pois esta carcaça representa a fome e a seca do
Nordeste. Poucos minutos depois, Glauber filma uma cena relativamente
longa onde Manoel e Rosa estão moendo mandioca para comer. Nesta
cena, o som, como elemento cinematográfico, se torna importante
pois, como Glauber não pode fazer o espectador sentir a fome que as
personagens sentem, o som da máquina que mói a mandioca é
utilizado para deixá-lo um pouco desconfortável e assim fazer com
que a fome seja, de alguma maneira, “sentida”.
Passemos agora para
São Sebastião. Trata-se de um fanático religioso, à imagem de
Antônio Conselheiro, que busca os céus (ou a Ilha) realizando
milagres e redimindo pecadores com o “sangue dos inocentes”
(literalmente). Ele representa as pessoas geradas pela miséria e
religiosidade do Nordeste, que se criam a partir de uma oposição à
Igreja oficial (representada pelo padre do filme) e que acabam
virando sua própria encarnação. Assim como Antônio das Mortes
explica: “Padre
pode achar que Sebastião tem parte com o Diabo, mas eu acho que ele
tem parte com Deus também”.
Sebastião, quando mata o bebê, segue a mesma lógica do Padre que
lê a sentença deste primeiro: “Somente
depois que você cometer um crime maior poderá ser perdoado pelos
crimes que cometeu”.
Embora Sebastião seja parecido e às vezes comparado com Antônio
Conselheiro, estes dois homens são bastante diferentes. Conselheiro
era o verdadeiro líder de Canudos e o reconhecimento da comunidade
era tal que foram necessárias quatro expedições republicanas para
destruí-la. É interessante notar, por exemplo, a evolução da
percepção de Euclydes da Cunha em seu livro Os
Sertões.
De fato, mesmo permanecendo com uma visão bastante preconceituosa do
nordestino, ele desenvolve um tipo de admiração pelos guerreiros de
Canudos, deixando de considerá-los apenas como bárbaros e ladrões.
O assassinato de Sebastião por Rosa mostra que ele não era um líder
tão aceito e amado quanto Conselheiro.
Antônio das Mortes, o
“matador de cangaceiro”, é um mercenário, um homem da “lei da
selva” que mata cangaceiros em nome de sua justiça. Embora aja por
conta própria, ele é muitas vezes mero instrumento do governo ou de
alguma outra autoridade local. Neste caso, ele aceita a tarefa de
matar Sebastião e seus seguidores pelo dinheiro oferecido pelo
Coronel e pelo Padre e pelo medo de que ele se torne um novo
Conselheiro. Seus assassinatos são cometidos sem remorso, o que não
o distancia tanto dos cangaceiros que ele mesmo mata.
Enfim, Corisco é um
personagem extremamente importante e também é dividido por várias
forças. Este é um dos poucos homens que sobraram da turma de
Lampião e Maria Bonita, e tanto ele como Dadá (sua companheira) são
inspirados em pessoas reais. Corisco, era conhecido como Diabo Louro
e sequestrou Dadá quando tinha apenas treze anos de idade. O Diabo
Louro e seus cangaceiros representam o outro lado da miséria, que
não é o religioso, e sim o da luta, da resistência e da violência.
Sua missão é defender o povo de onde eles vieram, mas, muitas
vezes, acabam movidos por vinganças pessoais e não têm medo de
matar, estuprar e torturar seus supostos inimigos. Eles acreditam que
encarnam São Jorge, o santo do povo, lutando contra o Dragão da
Miséria.
No manifesto Eztétyka
da Fome,
no ano seguinte ao filme, Glauber procurou explicar algumas das suas
opções estéticas. Nele, ele explica, por exemplo, que a “mais
nobre manifestação cultural da fome é a violência” (ROCHA,
1965). O que se expressa por Corisco, mas também por Antônio das
Mortes, Sebastião, e até mesmo Manoel. Porém, ele ressalta que
essa violência não é primitivista e questiona: “Fabiano
é primitivo? Corisco é primitivo?”
(ROCHA, 1965). Ele responde então que a violência da fome não é
primitiva, mas, sim, “revolucionária”,
pois é como o colonizador compreende a existência do colonizado:
“foi
preciso um primeiro policial morto para que o francês percebesse um
argelino”
(ROCHA, 1965). Essa citação foi escrita no contexto da Guerra de
Independência da Argélia, mas pode muito bem se aplicar ao Brasil
de hoje. Coincidentemente, Argélia é o pais onde Camus nasceu,
autor de quem falaremos mais tarde.
O filme de Glauber é,
portanto, uma longa sequência dessas imagens cheias de contrastes e
complexidades, sendo assim muito mais do que um simples filme de
dualidades. Essa dualidade gera uma ambiguidade. Todavia, ambiguidade
não é algo raro no cinema se considerarmos a obra de outros
cineastas. Podemos usar como exemplo a ambiguidade ácida (e
temperada de humor negro) de Kubrick (Full
Metal Jacket, Lolita, Dr. Strangelove,
etc.) ou até a estranha familiaridade de David Lynch (Twin
Peaks, Mulholand Drive, Rabbits,
entre outros) embora seja possível ver algumas semelhanças entre o
humor ácido de Kubrick e de Glauber. Isto pode ser visto, por
exemplo, tanto nas cenas finais de Deus
e o Diabo na Terra do Sol
quanto nas de Full
Metal Jacket.
Uma teoria-prática
anti-diáletica: o homem faminto de Glauber Rocha, o homem revoltado
de Albert Camus
A complexa dualidade
de Deus
e o Diabo na Terra do Sol
também é interessante pelo fato de supor um terceiro aspecto que é
explicitamente anti-dialético. Antes de mais nada, é preciso
entender que esse “terceiro aspecto” não é nada parecido com
uma “terceira via”, nada disso. Com efeito, esse terceiro
aspecto, sem nome, é o simples fato que essa dualidade, na verdade,
pressupõe uma multiplicidade dentro do próprio indivíduo. Se
tomarmos por exemplo todas essas imagens ambíguas e divididas
citadas anteriormente, o que há em comum em todas elas? O que existe
entre o Bem e o Mal, entre Deus e o Diabo? Há o Homem. O homem é o
encontro desses lados. Mas não se trata de um ser dividido em dois,
mas sim do encontro de uma multidão de faces. Alguns podem
argumentar que no filme não há o coletivo, como ele ocorre em
Pasolini, por exemplo. Sim, de fato não há, mas não porque Glauber
ache o coletivo desinteressante e sim porque, no filme, ele não
precisa dele. Ele não precisa de uma representação clássica de um
coletivo de homens porque cada indivíduo apresentado, protagonista
ou figurante, é um coletivo. Um coletivo de experiências,
experiências de violência, de miséria, mas também de felicidade e
amor.
Por essa razão,
vários rostos são mostrados em uma das primeiras cenas com
Sebastião. Os rostos parecem-se muito com uma descrição de uma
mulher por Euclides da Cunha, quando os primeiros vencidos evacuavam
Canudos: “A
miséria escavara-lhe a face [...] Uma beleza olímpica ressurgia na
moldura firme [...] perturbados embora os traços impecáveis pela
angulosidade dos ossos apontando duramente no rosto emagrecido e
pálido, aclarado de olhos grandes e negros, cheios de tristeza
soberana e profunda”
(DA CUNHA,1997).
Fotografia dos sobreviventes de Canudos
E assim chegamos ao segundo ponto interessante dessa dualidade “glauberiana” que é uma teoria-prática anti-diáletica. Pois, o filme mostra que tese, antítese e síntese não são entidades separadas na história, e sim que as três se encontram, ao mesmo tempo, no homem. Nesse sentido preciso, o homem não é um ser histórico como afirmou Hegel e depois Marx e Nietzsche. E é esse ponto, anti-dialético e anti-histórico, que nos permite aproximar a revolta presente no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha de 1964 da concepção de revolta de Albert Camus em O Homem Revoltado, livro publicado em 1951 e, infelizmente, muitas vezes esquecido e até criticado pelos extremistas do espectro político.
Fotografia dos sobreviventes de Canudos
E assim chegamos ao segundo ponto interessante dessa dualidade “glauberiana” que é uma teoria-prática anti-diáletica. Pois, o filme mostra que tese, antítese e síntese não são entidades separadas na história, e sim que as três se encontram, ao mesmo tempo, no homem. Nesse sentido preciso, o homem não é um ser histórico como afirmou Hegel e depois Marx e Nietzsche. E é esse ponto, anti-dialético e anti-histórico, que nos permite aproximar a revolta presente no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha de 1964 da concepção de revolta de Albert Camus em O Homem Revoltado, livro publicado em 1951 e, infelizmente, muitas vezes esquecido e até criticado pelos extremistas do espectro político.
Essa concepção de
revolta é explicitamente anti-dialética e uma das maiores críticas
do hegelianismo e seus afluentes (Marx, principalmente), assim como
do niilismo. Colocando em poucas palavras, o livro explica como a
dialética de Hegel, na verdade, cria uma utopia que substitui Deus
pelo futuro
(CAMUS,
2013). De fato, a lógica dialética da tese e da antítese cria uma
narrativa profética à espera de um futuro. Desse modo, a dialética
impede a ação e cria um fatalismo perigoso. Como Camus explica, o
futuro é a única coisa que o mestre está disposto a dar para seu
escravo pois a promessa, a profecia de um futuro melhor é o próprio
fatalismo da condição do escravo que deve esperar para que a
história se realize. Além disso, ao longo dos anos, a profecia pode
abrir caminho para que autoritarismos (que sequer deveriam existir
como hipóteses) se tornem concretos e efetivos.
Essa analise não é,
portanto, pura teoria. Quando Camus ataca Marx e Nietzsche, é
preciso ter bastante cuidado. Tanto Marx quanto Nietzsche criticaram
Hegel de certa maneira: Marx quanto ao problema do idealismo e
Nietzsche na questão moral. Porém, como Camus explica, seus
pensamentos, infelizmente, prosseguiram com uma lógica similar à de
Hegel e acabaram por inspirar autoritarismos no século XX. Marx
inspirou Lênin e a Revolução Russa que,
por sua vez, se exauriu no stalinismo.
Nietzsche inspirou o niilismo anarquista e um conceito racial que, de
certa forma, inspirou o nazismo. O caso de Nietzsche é um pouco mais
complicado pois seu conceito de “super-homem” se referia a uma
capacidade filosófica que acabou sendo interpretada por Hitler como
um conceito racial. Ao final do Homem
Revoltado,
quando Camus expõe o que ele define como “Pensamento do Meio-Dia”
(Pensée
du Midi),
ele deixa claro que é um pensamento além do “fantasma
[...], do profeta [...], da múmia deificada em seu caixão de vidro”
(CAMUS,
1951), isto é, além de Nietzsche, Marx e Lênin respectivamente.
Fotografia de Albert Camus
Fotografia de Albert Camus
Também é preciso
marcar a importância dessa mensagem de Camus no mundo do pós-segunda
Guerra Mundial que procurou expressar em todas as formas das artes o
auge do horror e do absurdo (outro elemento chave para entender a
filosofia de Camus) do mundo ocidental (e oriental, como nas
animações japonesas) e do começo da Guerra Fria. Camus desenvolve
sua própria definição de revolta que é contrária ao infinito
“devir histórico” da revolução marxista e do anarquismo russo.
Sua ideia de revolta se define pela “rejeição
de ser tratado como coisa e ser reduzido à simples história”
(CAMUS, 1951). A revolta, ao contrário da revolução que demanda
uma “redução
ao estado de força histórica”,
é uma verdadeira afirmação do “ser
dividido que nós somos”
(CAMUS, 1951). A História e o Homem não são simples nem
dialéticos. Deus
e o Diabo na Terra do Sol
é a pura encarnação desse conceito pelo fato que, ao afirmar as
várias facetas do Homem e dos seus rostos, ele nega o simplismo
dialético e seus antagonismos pois a realidade brasileira não pode
ser dividida entre o Bem e o Mal.
O Homem Revoltado é
um homem que diz não
(CAMUS,
1951). Mas essa negação não é completa pois o homem revoltado de
Camus não é desmedido, não é o homem niilista da revolução,
onde tudo é permitido2.
De fato, o homem revoltado afirma e nega ao mesmo tempo. Na relação
dialética entre Mestre e Escravo, o Escravo deve se revoltar como
antítese para ocupar e conquistar o lugar do Mestre. Para Camus, a
dialética demanda totalidade e não unidade, como a revolta, o que a
leva à conquista “planetária” e surgimento de impérios3.
A crítica à dialética por parte de Camus lembra quando Deleuze diz
que não existe governo de esquerda, pois, quando a esquerda toma o
poder, ela cessa de ser esquerda. Na relação Mestre e Escravo de
Camus, o escravo diz “não” para seu Mestre quando ele percebe
que algo foi ultrapassado. Porém, nessa negação surge uma
afirmação, a afirmação de um valor, comum a ambos, que o escravo
considera “valer a pena”. E é a partir desse valor, comum, que
se cria um “limite” no qual os homens são unidos por esse valor.
E é nesse limite, e não na conquista, nessa nova tensão contínua
que surgem novas ideias e horizontes. Camus ataca diretamente os
movimentos de revolta onde tudo é permitido que são encarnações
do que ele chama de Desmedida. Como ele explica: “Em
1950, a desmedida é um conforto, sempre, e uma careira, às vezes. A
mesura, ao contrário, é pura tensão” (CAMUS,
1951). Pois, como explicado anteriormente, a dialética serve de
conforto e dispositivo para a manutenção do escravo, mas a tensão
é uma verdadeira luta. O valor pelo qual o escravo se revolta não
diz respeito apenas a ele, mas a todos, inclusive ao Mestre. Mais uma
vez a lógica revoltada de Camus é contrária à criação de
antagonismos: “Eu
me revolto então nós somos”
(CAMUS, 1951).
A revolução de Hegel
e de Marx é onde tudo é permitido e onde tudo é necessário
(CAMUS,
1951). A revolta de Camus é onde “tudo é possível”, mas com a
existência de um limite, de uma fronteira, onde se encontra a tensão
criadora. “A
revolta toma partido de um limite onde se estabelece a comunidade dos
homens” (CAMUS,
1951), talvez essa comunidade seja a mesma que a de Glauber: “negar
a violência em nome de uma comunidade fundada pelo sentido do amor
ilimitado entre os homens” (ROCHA,
1971).
Voltando ao filme,
Manoel, quando mata seu patrão, é um Homem Revoltado. Ele se
revolta quando percebe a injustiça com a qual está sendo tratado.
Manoel considera que seu patrão fora longe demais. Ao matá-lo,
Manoel não quer se tornar ele mesmo um Mestre, e então foge para
obter perdão. Pois a lógica da revolta camusiana sempre segue a
preservação da vida. A revolta metafísica, segundo Camus, é a
revolta do Homem contra sua condição de mortal: a revolta é, por
princípio, contra a morte. Ao contrário dela, a lógica dialética
é suicída4.
E agora vemos então como a história de Manoel oferece uma
alternativa interessante e parecida com a lógica revoltada de Camus.
Pois, Sebastião e Corisco representam duas alternativas para a
miséria: uma pelo fanatismo religioso e a outra pela luta armada
desmesurada. Manoel representa uma alternativa que se aproxima do
improviso, em oposição à lógica dialética e do materialismo
histórico de Marx (que Camus chama de “determinismo histórico”).
Os improvisos dos
homens revoltados: de Manoel e muitos outros
É fato que o
improviso parece seguir Manoel ao longo do filme: ele mata seu
patrão, procura Sebastião para buscar perdão, se torna um
cangaceiro com Corisco, e foge mais outra vez, pronto para recomeçar.
Agora veremos como a questão do improviso é importante para o
oprimido, principalmente nos antigos territórios colonizados, mas
também hoje em dia, pois como Glauber explica: “A
América Latina, inegavelmente, permanece colônia, e o que
diferencia o colonialismo de ontem do atual é apenas a forma
aprimorada do colonizador” (ROCHA,
1965).
Para melhor explicar o
conceito de improviso farei um parêntese sobre música, pois, é no
improviso musical que conseguimos apreender a importância do
improviso na História.
Tanto nas tribos
indígenas originárias das Américas quanto nas populações que
vieram da África em tempos de escravidão, o som, a música tinha
enorme importância pois era sinal de vitalidade. Como David Hendy
explica em seu livro Noise:
A Human History of Sound & Listening,
para muitos nativos americanos o som, em si, era vivo (HENDY, 2014).
Por essa razão, para algumas tribos como os Iroquois, quando sob
tortura, era importante cantar sua própria “canção da morte”
(death
song)
enquanto pudesse resistir. Junto com os africanos aqui escravizados,
criaram uma verdadeira resistência à colonização a partir da
música e do improviso.
Com efeito, o improviso em si foi e ainda é algo extremamente importante para todo tipo de cultura afro-americana, seja na música (jazz, blues e samba entre outros ritmos) seja em comemorações tais como o Carnaval (a festa da carne). Para David Toop, músico experimental, “humanos precisam aprender a improvisar para lidar com eventos aleatórios, fracasso, caos” (TOOP, 2016). Em oposição a essa ideia de improviso existe a dialética, a profecia, a burocracia, o colonialismo, ou como explica Toop: “como uma antítese a essa necessidade de improvisação, encontramos uma traiçoeira cultura da gestão estratégica, pensamento, planejamento e objetivos estruturados militaristas expandindo em todas instituições sociais” (TOOP, 2016).
Quando Pasolini
escreve em uma de suas visitas aos Estados-Unidos que “temos
de jogar nosso corpo na luta” (PASOLINI,
2012), ele não se referia apenas ao movimento negro crescente dos
anos 60, as vésperas do “Black Civil Rights”, mas também à
resistência cultural afro-americana. Mesmo
nos tempos da escravidão, sempre houve resistência.
O que começou com “gritos do campo” (field
hollers),
canções do trabalho (work
songs)
e reuniões ocasionais, se tornou uma verdadeira cultura poderosa e
de revolta por princípio. Pois a própria existência de algum tipo
de resistência era um ato de revolta, a vida, pelo som, que não é
mais do que o exercício da alma pelo corpo, se tornou um ato
criador.
O improviso sempre
ocupou uma parte importante nessa cultura pois ele era o maior nível
de expressão que alguém poderia chegar. Quando Pasolini escreve que
o corpo é jogado na luta, ele esquece o papel da espiritualidade do
povo negro na sua luta (parafraseando W.E.B Dubois). No improviso, no
jazz,
no blues,
no soul,
na dança, no ritual gospel,
sempre foi a alma passando pelo corpo, pelo instrumento e pela voz.
Uma alma azul, triste, “blue”, mas também repleta de potência
criadora. É então que podemos entender a outra citação de
Pasolini: “Uma vida como protesto vivido, como luto, suicídio,
greve ou martírio”. A canção de Nina Simone “Ain’t
got No/I Got Life”
ilustra totalmente a condição do negro americano: ele não possui
bens nem família (“Ain’t
got no home[...] Ain’t
got no mother”), mas ele
possui seu corpo e sua vida: “I
got my arms, got my hands, got my fingers, got my legs [...] I’ve
got life”.
Além disso, ele não possui apenas uma vida, mas várias (“I’ve
got lives”),
assim como os rostos coletivos de Deus
e o Diabo na Terra do Sol.
O melhor exemplo dessa
noção de improviso como resistência é talvez o próprio John
Coltrane. A musica “Alabama”, escrita logo após o assassinato de
jovens negros naquele estado americano, é música de resistência,
improviso e espiritualidade. Aliás, foi justamente quando Coltrane
começou a improvisar, com seu distinto estilo “spiritual”
(ele começou a tocar o saxofone na igreja) e o nascente “free
jazz” (com artistas como Ornette Coleman e Pharoah Sanders), que
sua popularidade começou a cair. Seu improviso, sua alma tocada com
a ajuda de seu corpo e instrumento, provocava e assustava, assim como
o final de Deus
e o Diabo na Terra do Sol
também pode perturbar certos espectadores. Essa cena final é
justamente a encarnação do conceito de improviso aplicado a outros
setores além da música e da cultura. Não é um final típico, pois
não explora soluções diretas, mas sim alternativas que possam
parecer estranhas já que não estamos acostumados a elas. E é por
isso o melhor final que uma obra como Deus
e o Diabo na Terra do Sol
pode ter. Já que não sabemos direito onde estão nossos amigos ou
inimigos, já que não há verdadeiros antagonismos dialéticos
dentro do homem, que tipo de final há de ter? Um improviso na vida.
Arte e Revolta,
segundo Camus, não são separados como Arte e Revolução. A Arte,
assim como a revolta, é um movimento que exalta e nega ao mesmo
tempo (CAMUS, 1951). Ainda mais, a arte também é criadora e possui
características próprias que realizam a reconciliação do singular
e do universal que Hegel sonhava (CAMUS, 1951). A arte então, por
principio é anti-dialética. Ela é pura tensão entre negação e
consentimento, singularidade e universal, indivíduo e história
(CAMUS, 1951). Embora Camus se concentre principalmente no romance,
ele poderia muito bem ter escolhido como exemplo a música
afro-americana e seus improvisos. De fato, o improviso também é a
obra de uma pura tensão pois o bom solista toca em sua
individualidade, com sua alma e corpo, mas também precisa escutar o
que os outros estão tocando. No contexto da escravidão, da
segregação ou do racismo disfarçado, essa forma de arte é
criadora e potente. E como diria Camus: “Toda
criação nega o mundo do mestre e do escravo”
(CAMUS, 1951). A resistência cultural do escravo era a revolta em
si, pois era a negação de sua condição e a afirmação de algo em
comum, não apenas com seus companheiros, mas também com o homem
branco. A exigência da revolta implica também uma “exigência
estética”. Ou seja, o improviso é uma política de corpos sociais
e individuais – corpos de homens e mulheres escravizados outrora ou
postos a trabalhar em condições de subordinação mais recentemente
– que tenciona formas de controle.
Esse improviso não é,
porém, apenas simbólico. Ele teve um papel fundamental na luta e na
resistência dos povos colonizados em geral, inclusive nas relações
neocoloniais que persistem até hoje em dia. O improviso em si, já é
uma manifestação de vida que nega o determinismo histórico ou
material. O improviso, para o oprimido, é uma saída para sua
própria condição, pois ele é a afirmação de outra forma de
existência que não é pré-determinada. No capítulo “Escravidão
e Rebelião”, por exemplo, Hendy explica a importância do som, do
improviso musical na época colonial: “Os
escravos africanos que trabalhavam nas terras de arroz do rio Stono
em 1730 tinham poucas liberdades. Mas uma que eles tinham era a
liberdade de adaptar os sons que seus donos oprimiam em novas formas
que tinham vida por elas mesmas”
(HENDY,2014). Foi dessa liberdade que surgiu o improviso, o jazz, o
blues, o gospel, entre outros. Pois, “entre
os escravos afro-americanos [...], a luta para fazer barulho e para
serem ouvidos era crucial para seu próprio sentido de ser”
(HENDY, 2014).
Improviso na
música, improviso no cinema: a trilha sonora do filme solar.
Falaremos agora um
pouco sobre a música no filme de Glauber Rocha. Grande parte da
trilha sonora de Deus
e o Diabo na Terra do Sol
foi escrita pelo próprio Glauber e tocada por Sergio Ricardo, com
algumas exceções como algumas composições de Villa-Lobos. A
música é um elemento chave para o desenrolar da história pois ela
segue o espectador como um narrador. Ela também possui letras muito
importantes para entender a obra, como nas cenas finais quando Sérgio
Ricardo canta “que
a terra é do Homem, não é de Deus nem do Diabo”.
Além da letra em si, a música é essencial para a imersão do
espectador no ambiente: a linda melodia da música reflete muito bem
o Nordeste, mas também um pouco o blues norte-americano. Ao
trabalhar na música, Glauber diz que se inspirou de um cantor
nordestino chamado Zé o Cego e seu primo Pedro das Ovelhas, além de
outras cantigas que ele havia escutado no Nordeste. No mesmo texto
onde explica o processo de criação da música, Glauber também fala
da relação entre cinema e música brasileiros: “Acho
que o cinema brasileiro tem, nas origens de sua linguagem, um grande
compromisso com a música –o nosso triste povo canta alegre, uma
terrível alegria de tristeza”
(ROCHA, 1964). E continua: “o
samba de morro e a bossa-nova, o romanceiro do Nordeste e o samba de
roda da Bahia, cantiga de pescador e Villa-Lobos– tudo vive desta
tristeza larga, deste balanço e avanço que vem do coração antes
da razão”
(ROCHA, 1964). Tudo vem dessa tristeza, dessa alma “blue”, que
surge como uma forma de “tensão” camusiana, o balanço e o
avanço. A voz do cantor é de suma importância para Glauber que a
define assim como Camus define sua revolta: “Na
voz do cantador está o “não” e o “sim”
(ROCHA, 1964).
Podemos muito bem
falar do improviso no cinema igualmente. Assim como na música, na
dança, e outras formas de arte, o cinema possui uma vasta gama de
movimentos e diretores que podem mais ou menos se conformar com a
ideia do improviso. Hitchcock, por exemplo, era conhecido como um
“roteirista de ferro” que repetia: “o filme já está pronto,
só falta rodar”.
Outros abraçam totalmente o improviso para criar um cinema mais
experimental, como Rosselini, pioneiro do Neorrealismo italiano, que
chegava ao set sem o roteiro completo. Há também os intermediários
como Tarantino, Scorsese ou Kubrick, que possuem roteiros fortes e
importantes, mas que veem o potencial do improviso em seus filmes.
Aliás, algumas das cenas mais icônicas desses diretores foram
criadas a partir de improvisos. Leonardo DiCaprio quebrou um copo e
cortou sua mão enquanto mostrava um crânio de um antigo escravo em
sua incrível atuação como Calvin Candie em Django
Livre
de Tarantino. A cena onde Travis se olha no espelho e ostenta sua
pistola em Taxi
Driver
deveria ser muda, porém Robert De Niro incluiu algumas falas que
tornaram a cena antológica: “Are
you talkin’ to me?”
Outro grande exemplo é a frase dita por Jack Nicholson, tirada de um
programa de TV, ao quebrar a porta do banheiro do Iluminado:
“Here’s
Johnny!”
Enfim, o Cinema Novo
também possui uma estética cinematográfica bastante interessante e
experimental. O movimento reunia cineastas que ao sair dos estúdios
para ir à ruas, procuraram ir ao encontro do povo brasileiro, seja
ele pescador ou operário, camponês ou morador de favela. A ideia de
sair do estúdio para ir filmar com sua própria câmera é que é
interessante. Aliás, é uma prática que hoje já se
popularizou bastante, por exemplo com o recente filme de Agnès Varda
e JR, Visages,
Villages.
Ainda mais, o maior exemplo de improviso no Cinema Novo é a própria
cena final de Deus
e o Diabo na Terra do Sol
que estamos usando para explicar esse conceito. Ao correr com Manuel,
Rosa (interpretada pela atriz Yoná Magalhães) tropeça e cai.
Tropeço e queda não estavam previstos, porém, Glauber mandou a
ação ir adiante e deixou a cena no corte final do filme.
Gustavo Souza em seu
artigo Estética
do improviso no cinema de periferia
para a revista Famecos
define sua estética do improviso como o “encontro horizontal entre
(1) contexto, (2) as condições materiais e metodológicas de cada
núcleo de realização e a (3) temática escolhida” (SOUZA, 2012).
Embora tenha usado o cinema nascente das periferias e tomado como
exemplo o documentário Super
gato contra o apagão
que trata da crise energética durante o governo de FHC, essa mesma
definição de estética do improviso pode muito bem se aplicar ao
Cinema Novo. Além de que, tanto o Cinema Novo com sua estética da
fome e da violência, quanto o cinema de periferia, tem um claro
projeto social. Nas palavras de Mikhail Bakhtin: “o
estético [...] é apenas uma variedade do social” (Bakhtin
apud Souza,
2012).
Para resumir, o
conceito de improviso, ao longo da história colonial (e neocolonial)
se tornou algo de suma importância para o oprimido. Pois o
improviso, que seja na música, na dança, ou na vida em geral, é a
afirmação da vida, da liberdade e da resistência. Ele se tornou
uma peça chave para o corpo e para a alma do escravo, do indígena e
do trabalhador pois o improviso, por principio, não é dialético
nem determinista. Corisco e Sebastião representam dois tipos de
escapatórias do poder (do Estado ou da Igreja). Manoel encarna uma
terceira opção que seria a do improviso. Assim como as performances
mais extremas de improviso, o final de Deus
e o Diabo na Terra do Sol
pode ser desconfortável para alguns tipos de espectadores que
esperam que lhes sejam ditos quem são os inimigos e quem são os
amigos. Infelizmente (ou felizmente), na nossa sociedade brasileira,
tanto nos anos 60 quanto hoje em dia, a situação é mais
complicada. Porém, é preciso entender que a afirmação dessa
complexidade, dessa diversidade, não é conformismo nem prejudica a
própria ideia de resistência. Pelo contrário, é a forma menos
autoritária de lutar pois ela se baseia na realidade e não em uma
utopia distante e dialética. O improviso encarna da forma mais pura
essa realidade diversa, assim como o solista precisa entender e se
comunicar com os outros instrumentalistas para criar algo novo e
incrível. Do mesmo modo que a revolta de Camus nasce de uma tensão
constante: “o
homem revoltado não tem repouso”
(CAMUS, 1951). A lógica dialética, materialista, é que corresponde
a um conformismo: o conformismo do opressor.
Assim, a lógica
revoltada de Camus, que se encontra no filme de Glauber, é o que
necessitamos hoje em dia, em um mundo de antagonismos. Pois, como o
filme demonstra, o ser humano é um ser composto por várias facetas
(assim como explica Camus, a polícia política do século XX
demonstrou a “física da alma”) que não podem ser resumidas nem
a seres históricos dialéticos nem a nenhum espectro político ou
moral. Em oposição, o “devir histórico” de Hegel e dos
totalitarismos do século XX faz com que o Homem precise se resumir
ao eu social e racional, objeto de cálculo (CAMUS, 1951). Como o
próprio Furio Jesi uma vez disse: “A
palavra revolução designa corretamente todo o complexo de ações
[...] considerando constantemente no tempo histórico as relações
de causa e efeito[...]. Toda revolta pode, ao contrário, ser
descrita como uma suspensão do tempo histórico”
(JESI, 1996).
Além disso, o filme
possui uma estética do improviso bastante particular que pode causar
desconforto a alguns tipos de espectadores. O improviso, como
encarnação da pura espontaneidade e diversidade, muitas vezes soa
estranho. Porém, como o filme e a história colonial mostraram, o
improviso é uma via certa contra o poder, seja ele o Governo, a
Igreja, ou até mesmo Sebastião, Corisco e Antônio das Mortes. O
improviso se encaixa perfeitamente na última frase do Homem
Revoltado de Camus onde “no cume da mais alta tensão irá sair o
impulso de uma flecha reta do traço mais duro e o mais livre”
(CAMUS, 1951). O improviso, assim como a Revolta e a Arte, cria da
tensão uma reconciliação entre o indivíduo e o universal. É
dessa tensão, por exemplo, que surgem os rostos coletivos de Deus
e o Diabo na Terra do Sol.
Com a guerra e
violência generalizada no Brasil (a ponto de intervenção militar
no Rio de Janeiro), devemos nos perguntar se antagonismos tão
propícios a nos dividir não se tornam perigosos, pois o momento
demanda ousadia para a criação de alternativas melhores e não
“menos piores”. O ser humano é um ser complexo e não simplista,
sendo o simplismo a mais perfeita base para o autoritarismo. Para
Camus é necessária a afirmação do ser dividido que nós somos
(CAMUS, 1951). Não um ser dividido apenas em dois (Deus e o Diabo)
ou três (tese, antítese e síntese), mas sim em um coletivo de
faces. Se me permitem usar um pouco de profecia, se continuarmos em
caminhos dialéticos, antagonistas, proféticos, as probabilidades
(já altas) de nossas supostas democracias se tornarem totalitarismos
aumentarão à medida da nossa divisão. Deus
e o Diabo na Terra do Sol,
afirmando a complexidade junto com a capacidade do ser humano de
fazer tanto o bem quanto o mal, e improvisar, representa visualmente
uma alternativa possível.
Referências
bibliográficas
CAMUS, Albert. L’homme
revolté.
Paris: Gallimard, 1951.
DA CUNHA, Euclides.
Os Sertões. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1997.
HENDY, David. Noise:
A Human History of sound & listening. London:
Profile Books, 2014.
JESI, Furio.
Lettura
del «Bateau ivre» di Rimbaud. Macerata:
Quodlibet, 1996.
PASOLINI, Píer Paolo.
Empirismo
Eretico.
Milão: Garzanti, 2012.
ROCHA,
Glauber. Uma
Estética da Fome.
In: Revista Civilização Brasileira, n.3, julho, 1965.
ROCHA,
Glauber. Deus
e o Diabo na Terra do Sol
- Texto
de Glauber Rocha, publicado no encarte do disco da trilha sonora do
filme, 1964.
SOUZA, Gustavo.
“Estética
do improviso no cinema de periferia” in
Revista Famecos,
v.19, n.2, 2012.
TOOP, David. Into
the Maelstrom: Music, Improvisation and the dream of freedom before
1970. New
York: Bloomsburry, 2016.
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Para
Camus, o niilismo histórico da dialética é uma justificativa de
um tipo de violência sem limites: é a negação suprema. Para
cumprir o seu dever histórico, universal, autoritário, tudo deve
ser permitido, inclusive o assassinato e terrorismo. A revolta de
Camus, ao contrário desse niilismo violento, é a luta pela vida. A
revolução niilista necessita o sacrifício para ser cumprida. Mas
“o revoltado demonstra no sacrifício que sua verdadeira liberdade
não diz respeito ao assassinato, e sim quanto à sua própria
morte” (CAMUS, 1951). Ou seja, o sacrifico não é algo
determinado pelo dever histórico, e sim pelo próprio individuo.
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Assim
como na relação dialética, o escravo precisa tomar posse, a
antítese precisa conquistar a tese. A logica dialética é então
colonizadora, porque demanda uma totalidade que, segundo Camus,
precisa ser planetária para sobreviver. Ao escrever em 1951, Camus
já prevê o que se tornaria a Guerra Fria e o Imperialismo
soviético. Camus define essa busca como Potência, que deve se
acumular até a criação do “Império Ideológico”: “a
vontade de potência, a luta niilista pela dominação e pelo poder,
fizeram mais do que se livrar da utopia marxista” (CAMUS, 1951).
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Se o processo não conduzir à conquista e à negação total, ele
esta destinado à morte por si mesma. E junto com o desmoronamento
do Império, muitos morrerão, assim como Stalin levou grande parte
de sua população ao tumulo “essa simplificação deve ter
costado caro aos koulaks
que
continuavam mais de cinco milhões de exceções históricas”.
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