A Crise do Rio de Janeiro é real
Por
Luca Szaniecki Cocco
Um
detalhado texto sobre como nasceu a crise e suas consequências,
focando principalmente no Estado do Rio.
2018
marca mais um ano de uma crise que tortura o Brasil e que atinge
principalmente os mais pobres. Não é surpresa que são sempre eles
os que pagam mais caro por todas as crises. A desigualdade subiu com
uma velocidade exorbitante depois de anos de suposto progresso social
com o governo do PT. É preciso, porém, notar que o processo
começado por Lula já parecia começar a desacelerar logo antes da
crise, nos últimos momentos do primeiro mandato de Dilma. De fato,
em outubro de 2014 o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
divulgou uma pesquisa mostrando a ligeira volta da pobreza entre 2012
e 2013 passando de 10,08 a 10,45 milhões de brasileiros abaixo da
linha de pobreza. O aumento pode ser pequeno mas marca o começo da
queda. Curiosamente, a pesquisa passou pela surdina durante as
eleições e depois da vitória de Dilma (provavelmente por motivos
políticos, ouso dizer, o PT não podia manchar sua imagem).
Hoje
em dia o nível de desigualdade chega a níveis inimagináveis depois
de anos de crescimento econômico e todo o discurso em volta dos
países emergentes, em destaque os BRICS, grupo do qual o Brasil faz
parte. Em 2018, o economista Thomas Piketty, conhecido por sua
obra “Capital no século XXI” (essencial
para entender as desigualdades modernas) coordenou entre outros a
Pesquisa Desigualdade Mundial 2018. A pesquisa mostra que quase 30%
da renda do Brasil se concentra nas mãos do 1% mais rico, o que
corresponde à maior concentração do mundo. Quanto aos 10% mais
ricos, estes possuem 55% da renda total.
Outro
estudo (de 2017), dessa vez pela Oxfam, revelou que os 6 brasileiros
mais ricos, ou seja Jorge Paulo Lemann (AB Inbev), Joseph Safra
(Banco Safra), Marcel Herrmann Telles (AB Inbev), Carlos Alberto
Sicupira (AB Inbev), Eduardo Saverin (Facebook) e Ermírio Pereira de
Moraes (Grupo Votorantim) concentram a mesma riqueza que os 100
milhões de brasileiros mais pobres, ou seja metade da população.
Aliás, os irmãos Marinho, herdeiros de Roberto Marinha, fundador da
Rede Globo, estão nessa lista de maiores riquezas (cada um concentra
aproximadamente 4,3 bilhões de reais de patrimônio).
Mais
um estudo (depois desse eu paro), da OCDE (organização para a
cooperação e o desenvolvimento econômico), desse ano, mostra que
famílias pobres podem levar até 9 generações para alcançar
níveis médios de renda.
Em
2017, o Brasil despencou 19 posições no ranking de desigualdade da
ONU, entrando para a lista dos 10 países mais desiguais. O principal
causa dessa desigualdade (sem entrar em questões como reforma
tributária, PEC dos gastos, etc) é a queda da renda. Em 2017 a
queda foi de 0,56 do rendimento de todas as fontes (salários,
aposentadorias, pensões, benefícios sociais). O rendimento do
trabalho baixou de 1,36% em geral mas 2,45% entre os 50% mais pobres.
Estes últimos receberam em média 754 reais, menor que o salário
mínimo. Os 10% mais ricos podem ter perdido 2,98% de sua renda mas
os 10% mais pobres perderam 15,2% e um número ainda mais assustador
é o dos 5% mais pobres que perderam 38%. Aliás, a renda destes
últimos alcança a soma de 47 reais mensais. A queda da renda se
deve pelo alto nível de desemprego que atinge 13,7 milhões de
pessoas hoje, mas também os cortes nas despesas em geral e ao
aumento da precaridade trabalhista.
Além
de disparidades econômicas, o Brasil permanece com resultados
ridículos no que diz respeito à avanços no combate ao racismo e ao
sexismo. De fato, pretos e pardos recebem respectivamente 55,8 e 57%
do salário dos brancos e mulheres recebem 77,5% dos salários dos
homens em média (além de serem menosprezadas no campo político com
uma participação de 10% no Congresso).
Enfim,
todas as regiões e estados do Brasil parecem conhecer os efeitos
dessa crise. A região Nordeste parece, seguindo sua linha histórica,
a mais preocupante em termos sociais e econômicos (metade da
população recebe 487 reais mensais em média, ou seja 50% do
salário mínimo) porém, o estado do Rio parece ser o mais afetado
pela crise em específico. Não que a crise em outros cantos do país
seja grave mas ela parece ter mais efeitos específicos no Rio de
Janeiro que nos demais estados (ou talvez ele seja apenas o mais
“midiatizado”).
O
objetivo desta introdução, e do resto do artigo a seguir, é
chocar, mas também é destruir os discursos iniciais (que já
parecem terem desaparecido em parte) de alguns setores mais
“progressistas” do espectro político que tentaram inventar a
narrativa que a crise fora criada pela mídia, pelo neoliberalismo e
até mesmo, nos casos mais extremos, pelos Estados-Unidos, pela CIA,
pelo FMI, no objetivo de privatizar tudo. O que mais me surpreende
nesse discurso é a hipocrisia desses setores que tentam mistificar a
crise enquanto ela ataca as camadas da sociedade que estes mesmos
“mistificadores” juram defender: as camadas populares. Hoje em
dia, os mesmos que propagavam esse discurso nos princípios da crise
parecem ter parado de falar, por vergonha eu suponho, ao perceberem
que a crise é real, talvez não para eles, mas para muitos. Embora
tenha parcialmente desaparecido, o discurso tem seus efeitos ainda
presentes no cenário político. Não deformem meu texto: não
defendo privatização alguma, nem o neoliberalismo, nem o que seja,
estou aqui para expor fatos.
Para
resumir, esse artigo pretende esclarecer alguns fatos e dados
impressionantes (e às vezes pouco conhecidos) sobre a crise. Veremos
então o contexto no qual nasceu a crise do Rio de Janeiro e seus
efeitos sociais e econômicos (não trataremos da crise política com
detalhes, embora será mencionada por sua proximidade).
Alguns
se surpreendem por ser justamente o Rio de Janeiro, que parecia
conhecer um “boom” econômico sem precedentes, um dos mais
afetados pela crise. Irei tentar mostrar nessa parte o contexto no
qual nasceu essa terrível crise, antes de apresentar dados concretos
e surpreendentes desta.
Primeiro,
vou desmentir algumas explicações que dão para a crise no Rio de
Janeiro, notadamente com a ajuda de um artigo do economista Mauro
Osório para a Globo. Uma das primeiras supostas explicações para a
crise seria um “boom” econômico (do qual comentei no primeiro
parágrafo) mal aproveitado. Ora, esse boom econômico parece ter
sido apenas uma impressão (talvez gerada pelo clima de tranquilidade
geral) pois entre 2006 e 2016, a receita líquida corrente (a
inflação foi descontada) do estado cresceu apenas 6,4% segundo o
Ministério da Fazenda. Nesse mesmo período, como Mauro Osório
ressalta, a receita dos demais estados cresceram em média 37,4%.
Outra
explicação é que a ampliação dos gastos públicos teria
aumentado o déficit do estado. Não foi exatamente o caso de
considerarmos que entre 2006 e 2016 houve até uma diminuição de
0,5% do total de servidores estaduais, os mesmos que hoje não
recebem salários (considerando as contratações para o projeto das
UPPs). Houve de fato um aumento de salários e organização de
planos de carreira mas o Rio de Janeiro e o Espírito Santo são os
dois estados que menos gastam proporcionalmente com o pessoal ativo.
Enfim,
uma ultima explicação que Mauro Osório desmente é que seria por
culpa de incentivos fiscais: estes teriam impactado negativamente o
ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) e o
total da receita estadual. Porém, o Ministério da Fazenda mostrou
que a receita do ICMS aumentou entre 2006 e 2016 (e cresceu mais
rápido que a receita total do estado). Mas podemos fazer uma crítica
a Mauro Osório que não considerou as isenções fiscais nos seus
cálculos, como as ajudas fiscais de Sérgio Cabral, ex-governador do
Rio e hoje preso em Bangu, a joalherias ou a empresas durante as
Olimpíadas. Uma anedota sobre esse assunto: a rua Garcia
D'Ávila, em Ipanema, é repleta de lojas de luxo onde Cabral vinha
abastecer-se. A rua possui uma Hermès, uma Louis Vuitton, uma
H.Stern e uma Antônio Bernardes (apenas alguns exemplos). Esta
última fechou recentemente, imagino que não tenham superado a
prisão de Cabral, seu principal cliente, coitados. É certo que as
isenções fiscais não tenham sido a principal causa da crise, mas
com certeza não ajudaram.
Depois
de desmentir essas teorias sobre a crise (ignoramos as teorias que
culpabilizam a CIA ou FMI), passemos então às reais causas dela.
Mauro Osório ressalta algumas razões históricas para essa crise: a
transferência da capital para Brasília mas principalmente a
“carência de reflexão e de estratégias consistentes de fomento
ao desenvolvimento socioeconômico regional”. De fato, em seu
suposto “boom econômico”, o Rio de Janeiro passou também por
uma suposta fase de segurança que passava principalmente por um
controle mais forte dos mais pobres. Em números, a pobreza não
diminuiu consideravelmente. Outro fator importante foi um clima
político hegemônico desde o golpe de 64 (de direita e esquerda) que
favoreceu a criação de milícias e organizações criminosas cada
vez mais importantes, por exemplo. Mauro Osório dá o exemplo do
várias vezes governador do Rio de Janeiro Chagas Freitas, que deu
origem ao nome “chaguismo” que designa a sua forma de ganhar as
eleições usando o órgão estatal.
Mais
recentemente, e de enorme influência, foi a grave queda das receitas
dos royalties, principalmente os royalties ligados ao petróleo do
pré-sal (royalties é uma palavra em inglês
que significa regalia ou privilégio. Consiste em uma quantia que é
paga por alguém ao proprietário pelo direito de usar, explorar ou
comercializar um produto, obra, terreno, etc.). Essas
receitas regrediram de 12 bilhões em 2013 para 4 bilhões
em 2016. Em 2017, já houve um aumento significativo para 7,11
bilhões gerados pela industria de petróleo. O governo estadual
também prevê uma receita de 10,5 bilhões para 2018. De
qualquer modo, a atividade petrolífera prometia grande
desenvolvimento, principalmente durante o governo Dilma e sua
campanha quanto ao pré-sal, porém esses planos parecem ter ido por
água abaixo com a queda dos royalties mas também a crise ligada a
Petrobras, cuja sede também se encontra no centro do Rio de
Janeiro. Nesse setor em particular, o cenário internacional
também não ajudou: a crise das matérias-primas foi mundial.
O
Rio de Janeiro também foi a sede de grandes eventos mundiais, que
deveriam ajudar a criar uma boa imagem da cidade, mas seus efeitos
foram completamente contrários aos previstos por seus organizadores
e defensores (o governo federal e estadual, além de companhias
privadas).
Primeiro,
a Copa do Mundo de 2014 . Esta não occoreu apenas no Rio de Janeiro
(felizmente) mas custou 27,8 bilhões (8,3 em estádios, 8,7 em
mobilidade, 6,3 em aeroportos e 1 em obras ao redor dos estádios).
Enquanto a FIFA lucrou 8,3 bilhões, o Brasil ficou com elefantes
brancos e gastos de manutenção. No caso do Maracanã, estádio de
repercussão internacional para o Rio de Janeiro, se tornou um
estádio de elite com suas diversas reformas e processos de
gentrificação. Só para a Copa, sua reforma custou mais de um
bilhão. As dívidas estaduais aumentaram e o evento não aumentou
significalmente o número de turistas. O resultado final da Copa
(além do 7 a 1) foi um cálculo mal feito.
Porém,
a Copa não afetou o Rio de Janeiro mais que as outras regiões em
que construíram estádios. Foram as Olimpíadas de 2016 uma das
principais causas das dificuldades econômicas do estado, que já
estavam fortes antes do evento começar. Isso nem é um fenômeno
carioca pois as Olimpíadas nem sempre foram positivas para várias
outras cidades ao redor do mundo. As Olimpíadas de Montreal, no
Canadá, de 1976 deixaram a cidade com dívidas por 30 anos. As
Olimpíadas de 2004, em Atenas, cidade onde foi criado esse evento
esportivo na Antiguidade, acumulou dívidas que piorariam a futura
crise financeira do país.
O
total dos custos das Olimpíadas do Rio de Janeiro foi de 41,03
bilhões (embora alguns economistas calculam que o número possa ser
ainda maior), um orçamento maior que o da Educação Nacional. A
chamada “Matriz da Responsabilidade”, órgão composto por
agentes do poder público e privado, bancou 7,23 bilhões, as
políticas públicas 24,6 e o Comitê Rio 9,2.
De
acordo com a prefeitura, 58% do total foi então bancado pela
iniciativa privada e 42% pelo poder público. Por um lado, alguns
economistas acham suspeito esses números dizendo que muitas empresas
foram beneficiadas por isenções fiscais (Coca-Cola, McDonald's,
Globo e Bradesco, por exemplo) que custarão cerca de 3,83 bilhões
segundo a Receita Federal, cerca de 3 vezes o orçamento da Cultura.
Pelo outro, algumas suspeitas giram em torno das obras públicas. O
poder público foi um ator importante para a construção do BRT e do
Porto Maravilha e bancou a Linha 4 do Metrô, que é hoje acusada de
fraude. Ainda não sabemos se houve superávit em outras obras.
A
universidade de Oxford, por exemplo, escreveu um relatório dizendo
que os custos finais e oficiais foram 51% superiores ao inicialmente
planejado. Além disso, em nenhum cálculo oficial foram consideradas
as indenizações (se houveram) às várias remoções populacionais
feitas para a construção das infraestruturas olímpicas (lembrem-se
da Vila Autódromo).
Qual
foi o famoso legado das Olimpíadas ? Segundo o Rio Media Center 1,17
milhão de turistas frequentam o Rio nos 17 dias de competição,
gastando 4,1 bilhões. A maioria era brasileira (paulistas, gaúchos
e mineiros principalmente) e não internacional. Hoje em dia, o
Ministério do Esporte e a Prefeitura procuram iniciativas privadas
para a utilização do parque olímpico, que custa mais de 80 milhões
de reais anuais de manutenção. Muitas instalações se tornaram
elefantes brancos ou foram desmontadas. Para resumir, as Olimpíadas
não foram um sucesso e apenas pioraram a situação financeira do
Rio.
II)Os
efeitos da crise
Concretamente,
a crise, como qualquer fenômeno econômico, possui, por principio,
efeitos diretos e efeitos indiretos. Economicamente falando, o estado
do Rio se situa em uma situação crítica quanto aos seus fundos
públicos. O ano de 2017, por exemplo, terminou com um déficit (isto
é, quando um estado gasta mais do que recebe) de 17 bilhões, 2
bilhões a menos do que o previsto pelo orçamento. 2018 não parece
um ano promissor pois a receita líquida projetada para o ano é de
63,1 bilhões e as despesas previstas são de 73,1 bilhões, o que
representa mais um déficit de 10 bilhões. O Observatório Sebrae
também calculou um aumento de 80% do déficit público da cidade do
Rio de Janeiro entre 2015 e 2016, passando de 4,3 a 7,8 bilhões de
reais.
Déficit
e dívidas públicas tendem a andar juntos, e produzem um efeito bola
de neve: quando o estado entra em déficit ele se endivida para poder
reduzir este déficit, mas para pagar suas dívidas recentemente
adquiridas ele aumenta seus gastos e o déficit volta a aumentar,
etc, etc. Apesar do corte de gastos imposto pelo governo estadual e
federal, a dívida do Rio de Janeiro não diminuiu. De fato, o TCE
(tribunal de contas do estado) mostrou esse ano (2018) que a dívida
consolida liquida (com instituições financeiras públicas e
privadas) aumentou 27,6%, ultrapassando o valor de 135 bilhões de
reais, o equivalente à 269,74% da receita corrente liquida
(arrecadação com tributos). Aliás o limite legal é de 200% da
receita corrente liquida. A dívida também aumentou de 85 milhões
nos dois primeiros meses de 2018 segundo a Secretaria estadual da
Fazenda.
Em
2016 a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), junto com o governo
federal, decidiu então propor um plano fiscal para tentar frear a
crise. O plano incluía a suspensão do pagamento das dividas com a
União por três anos junto com mais um último empréstimo de 3,5
bilhões de reais. Já em 2018, o Estado continua, apesar do acordo,
a pedir empréstimos como o recente caso com o banco BNP Baribas
somando 2,9 bilhões de reais, em troca de ações da Cedae. De fato,
a privatização da Cedae também parece estar incluída neste
acordo. A Alerj também aprovou um empréstimo de 250 milhões
para a modernização da Secretaria estadual de Fazenda (que deveria
estar pensando em resolver a crise e a mesma que analisou o aumento
da divida pública em 2018), de 200 milhões para um programa de
demissão voluntária e mais um pequeno empréstimo de 3,050 milhões
para a quitação de débitos com fornecedores (os mesmos que
aumentam a dívida estadual). Falando em débitos privados, estes
cresceram de 10,7 à 15,9 bilhões de reais entre 2016 e 2017.
A
crise financeira é então real mas, infelizmente, seus efeitos não
são todos no setor financeiro. De fato, essa crise se reflete em
todos os âmbitos.
Primeiramente,
vemos que o grande Rio, por exemplo, apesar da bolha dos preços
criada pela especulação durante a Copa e as Olimpíadas já ter
estourado, continua com preços exorbitantes. A compra de imóvel é
a mais cara do país (9,686 reais por metro quadrado), a cesta básica
mais cara (438,36 reais) e a energia elétrica mais cara (0,910 por
kilo-watts hora). Quanto ao mercado imobiliário, vemos uma clara
desvalorização na maioria dos bairros cariocas devido à violência.
De fato, alguns bairros chegaram a uma desvalorização de 12% entre
2015 e 2018. Quanto à eletricidade, a Comerc estima que uma das
causas do custo da energia elétrica no Rio é o roubo de energia.
O
Rio também está no topo em outros setores: o valor médio para
comer na rua é o segundo maior do país (36,94 reais), assim como a
gasolina (4,647 reais antes da greve dos caminhoneiros) e na passagem
de metrô (4,30 reais). Para o custo do metrô, “especialistas
citam custo com segurança e impostos como justificativas” diz o
jornal Globo. Depois do superfaturamento da linha 4 do metro durante
as Olimpíadas, eu não duvidaria que dentro do preço também está
incluída a corrupção, o dízimo ou a mensalidade típica das
mafias do transporte do Rio. A renda média real do trabalhador caiu
8% no fim de 2017 enquanto o ICMS (imposto sobre a circulação de
mercadorias e serviços) é o mais alto do país: 20% (nos outros
estados esse imposto varia entre 17 e 18%).
Alguns
apelam para o turismo internacional como forma de justificativa dos
preços altos porém as Olimpíadas não parecem ter impactado tanto
no turismo como previsto. De fato, a ABIH, associação de empresas
do setor hoteleiro, calculou que em julho de 2017, temporada alta de
turistas, a taxa de ocupação dos hotéis ficou em 40%.
A
Indústria foi fortemente afetada, principalmente no norte fluminense
que, segundo alguns economistas, foi considerada a região mais
afetada pela crise. De fato, a desindustrialização aumentou
drasticamente e a indústria, que representa 10,2% dos ocupados do
Estado do Rio de Janeiro, viu o seu numero de trabalhadores encolher
de 14,5% entre 2015 e 2016 (dados da Sebrae). O ramo de serviços
(que representa 54,2% dos ocupados) e comércio (18,5%) também
registraram diminuições. Com exceção do setor de construção
civil e militar, todo o estado perdeu empregados, somando uma perda
total de 3,2% de empregados no estado.
O
desemprego também foi algo que marcou essa crise. Em 2016 ele
representava 11,7% dos ativos do Estado, 8,1% da Capital, 14,9% da
Periferia e 13,23% no interior, o que representou um aumento de
53,8%, 70%, 53,3% e 40,1% para o Estado, Capital, Periferia e
interior respectivamente, desde 2015 (dados da Sebrae). Em 2017 o
desemprego já representava 14,5% do total da população ativa do
Estado Fluminense segundo o IBGE. Junto com a uma queda da renda
domiciliar (de 6,5% entre 2014 e 2015), o desemprego apenas aumentou
as enormes desigualdades que caracterizam o estado do Rio, a “Cidade
Maravilhosa”. Além do desemprego, novos tipos de empregos
aparecem: o trabalho precário. De fato, o numero de empregados com
carteiras assinadas diminuiu de 8% no Estado e mais de 10% na
Periferia e no Interior entre 2015 e 2016. Os empregos sem carteira,
por exemplo, subiram de 6,4% na Periferia no mesmo período.
Infelizmente,
essa crise financeira também afeta setores
fundamentais
do dia a dia como saúde e educação.
A
UERJ (universidade estadual) é uma das instituições que mais
sofreram com essa crise financeira. Agora já faz anos que seus
funcionários não são pagos corretamente (meses são pulados, sem
décimo-terceiro, remunerações parciais,etc) e as bolsas também
não estão sendo entregues, o que diminui o número de alunos. Só
para ter noção, as obras do Maracanã para a Copa e Olimpíadas,
situado a algumas quadras da universidade, somaram 1,3 bilhões de
reais, o equivalente a um ano custeando a UERJ. A universidade,
pioneira do sistema de cotas, mal consegue sustentar o sistema que
ela criou.
E
ela não é a única universidade com problemas: a universidade
estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (cerca de 6000
alunos) sofre com a falta de salários e de serviços de segurança,
assim como cortes de energia. De acordo com o Movimento Unificado dos
Servidores Públicos Estaduais (Muspe), mais de 200 000 funcionários,
aposentados e pensionistas estão com seus vencimentos atrasados
(dados de 2017). No caso dos aposentados, a situação pode ser mais
preocupante pois estes precisam de mais remédios e, sem algum tipo
de remuneração, isso pode causar sérios problemas de saúde.
Aposentados podem estar morrendo neste exato momento mas não entram
para as estatísticas...
Falando
em saúde, a situação também é caótica. Um exemplo é o do
instituto Philippe Plenel, especializado em tratamento psiquiátrico,
que já teve de fechar a emergência por falta de médicos e pela
impossibilidade de contratar novos profissionais. Outros grandes
hospitais públicos passam por grandes dificuldades para obter
medicamentos ou manter seu pessoal (que também não recebem
corretamente). Uma fiscalização de 2017 feita pelo Conselho
Regional de Medicina do Rio, mostrou que nos 19 hospitais federais e
estaduais pacientes com câncer aguardam 10 a 12 meses para o início
de seu tratamento. Esse período, não somente é ilegal segundo
a lei n12.732/2012 que determina a duração máxima de inúcio de
tratamento até 60 dias, mas também pode ser mortal como se
trata de cãncer. Assim como os aposentados, as vítimas não
aparecem em nenhuma estatística. Muitos
estabelecimentos têm dificuldades, por exemplo, para achar
funcionários. Estes não são bem pagos e não conseguem ir sempre
para seus plantões, alguns até pedem para dormir nos hospitais para
“facilitar”. No Hospital Pedro Ernesto, com 500 leitos
de internação disponíveis, apenas 180 conseguem ser utilizados.
Diante
de uma crise que atinge todos os mais diversos setores possíveis,
qual foi a reação do governo estadual e federal ? Criar um acordo
de ajuste fiscal que parece já estar não tendo os resultados
esperados. De fato, além da divida continuar aumentando, o teto de
gastos está prejudicando o setor público da saúde e alguns
empréstimos importantes continuam a serem aplicados. De acordo com o
Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal, das 20
metas fiscais fixadas, 13 tiveram resultados abaixo do previsto e 7
ainda nem foram atendidas. No total, as medidas podem render até 8
bilhões de reais até 2030, menos que o déficit previsto para o ano
de 2018. O problema, para Mauro Osório, é que o governo vê o
problema nos gastos quando o real problema está nas receitas.
Conclusão
A
crise é real: ela afeta todos os setores, toda a população mas
principalmente afeta os pobres. Vimos dados econômicos reais e
impactantes desta crise. Vimos suas consequências nos serviços
públicos mas não vimos seus efeitos em um dos elementos mais
preocupantes da vida pública: a violência. Para esse elemento em
especial outro artigo precisa ser dedicado pois há muito do que
falar.
Além
do mais, a decisão de escolher o Rio de Janeiro para ilustrar a
crise foi totalmente arbitrária. Se o Rio parece estar numa péssima
situação, o interior e regiões mais pobres do Brasil, como o
Nordeste, sofrem ainda mais. De qualquer forma é impossível negar o
tamanho da crise, embora seja possível criticar as medidas
governamentais para freá-la.
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