Hizuru
por Luca Szaniecki Cocco
Uma crônica amadora quase toda semana...
Domingos não são sempre dias de folga. Este domingo, no momento em que escrevo, tenho que trabalhar bastante. Por um lado tenho que escrever uma breve dissertação, sempre impregnada de método, sobre as vantagens do livre-mercado para a minha aula de economia. Por outro, este mais problemático, tenho que estudar o capítulo sobre a consciência para uma prova de filosofia, o que basicamente se resume a estudar o Inconsciente de Freud.
por Luca Szaniecki Cocco
Uma crônica amadora quase toda semana...
Domingos não são sempre dias de folga. Este domingo, no momento em que escrevo, tenho que trabalhar bastante. Por um lado tenho que escrever uma breve dissertação, sempre impregnada de método, sobre as vantagens do livre-mercado para a minha aula de economia. Por outro, este mais problemático, tenho que estudar o capítulo sobre a consciência para uma prova de filosofia, o que basicamente se resume a estudar o Inconsciente de Freud.
Começou
a chover, não muito forte, nem muito fraco. Choveu do jeito que é
bom para os ouvidos e para acalmar o calor carioca. A chuva
queria me dizer algo, já estava de saco cheio de trabalhar. Queria
fazer algo diferente. Decidirfazer uma pausa, da qual não me
arrependo. Já havia exorcizado de mim cada vantagem possível para
meu trabalho de economia e tentado revelar cada pulsão inconsciente.
Por puro azar, ou graças ao destino piedoso, me caiu uma recomendação
bastante interessante e inédita na minha página youtube.
Costumo escutar muita música no youtube e sou inscrito em dezenas de canais que recomendam ou que compartilham álbuns de música. Sou amador de jazz, escuto do jazz de Nova Orleãs ao free jazz dos anos 60, e bastante curioso pela música do leste-asiático, principalmente a da Índia (devo isso a George Harrisson e Ravi Shankar), do Japão tradicional e de outras regiões como a Mongólia (sou particularmente fã de uma banda Tuva chamada Huun Huur tur). Neste domingo, me foi recomendado então um álbum chamado “Hizuru” com uma descrição dizendo que era música tradicional japonesa com jazz. Isso é um belo jeito de chamar minha atenção. Além disso, a capa era um desenho incrível de uma garça branca por cima de um fundo amarelo dourado.
Curioso, cliquei sem hesitar. Pensei em voltar a trabalhar enquanto escutava esse novo álbum como costumo fazer com a maioria das músicas que escuto no youtube. Não consegui. Aquela música me havia pego de jeito. Fui hipnotizado. Quando tentava pensar no livre-mercado, preferia absorver aquela harmonia deliciosa, aquela paz, do som das cordas tradicionais japonesas. Quando percorria o Inconsciente de Freud, só conseguia ilustrá-lo com os efeitos que aquela música tinha em mim.
O
som oriental, diferentemente do ocidental, é muito construído em
pausas, momentos de silêncios. As animações de Miyazaki mostram muito bem a importância do silêncio. De alguma maneira, a minha pausa física era
preenchida por essas pausas musicais, essas harmonias hipnóticas que
se misturavam às vezes aos ritmos ocidentais do jazz e das melodias do
saxofone. O fenômeno do jazz-fusion no Japão sempre foi bem particular: talvez houvesse algo de similar
entre a música tradicional japonesa e aquela música nascida dos ritmos e cantos
dos escravos. Essa conexão talvez se encontre no improviso.
A música me hipnotizava e o vídeo ilustrava aquele álbum com uma linda paisagem de aquarela sendo progressivamente pintada. Me imaginava dentro daquela paisagem em construção. As linhas flutuantes da aquarela pareciam refletir meus pensamentos desconexos, seguindo os fluxos de uma hipnotização. A paisagem montanhosa e verde que se estendia diante de mim também me lembrava aquelas florestas de bambu do filme Princesa Kaguya ou da Tartaruga Vermelha. Me imaginava ouvindo aquelas cordas batendo no instrumento ressoando naquelas matas silenciosas e harmoniosas. O silêncio também era música.
Sem perceber havia ficado meia hora diante do computador, fixando a tela, fixando aquela mão que pintava sua aquarela e preso àquela música. Quando voltei à terra, me sentia de certa forma mais inspirado. Tão inspirado estava que resolvi escrever este breve relato.
Sempre façam pausas.
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