quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Recomendação #19: Your Queen Is A Reptile


Sons of Kemet- Your Queen Is A Reptile
por Luca Szaniecki Cocco

Uma recomendação musical quase toda semana...



Nem sei por onde começar com esse álbum (fora a linda capa). Já havia escutado Sons of Kemet antes, porém, esse álbum me impactou muito mais que os outros dois. A banda, composta por incríveis e virtuosos músicos, é conhecida por misturar jazz com polirritmia africana, assim como elementos de música caribenha, brass, ska, entre outros. O conjunto usa a memória musical do jazz para criar uma única e singular linguagem. Aliás, é o primeiro álbum do grupo gravado pela “Impulse!”, gravadora de grande importância no jazz, tendo gravado grandes nomes como John Coltrane ou Charles Mingus.

O “líder”, Shabaka Hutchings, é um grande nome do jazz hoje em dia e toca nesse álbum o seu saxofone com simplicidade, porém, com muita energia e emoção, refletindo um estilo clássico de Nova Orleãs, perceptível também no som de Louis Armstrong. Ele é acompanhado por dois incríveis bateristas (Seb Rochford e Tom Skinner) que criam essa atmosfera de pura energia e positividade. Enfim, a cereja do bolo é Theon Cross na tuba, que contribui com um som extremamente original e ritmado para o álbum. Definitivamente um dos usos de tuba mais interessantes na história das bandas de jazz.

Como dito, o álbum consegue misturar todos esses diferentes gêneros e formar uma música incrivelmente ritmada, energética e poderosa, tanto no sentido musical quanto político. De fato, embora seja majoritariamente instrumental, o álbum claramente brinca com o nacionalismo britânico, ou seja um belo tapa na cara para um país que acabou de votar para o Brexit e que permanece num limbo desde então (inclusive, Theresa May acaba de soffrer uma grande derrota política no Parlamento). Em vez de de homenagear a rainha da Inglaterra, Hutchings decide homenagear grandes nomes de resistência, rebelião e de cunho pessoal. Confiram o nome das músicas:

-My queen is Ada Eastman: Pequena homenagem de Shabaka a sua bisavó de Barbados que trabalhou muito para sustentar sua família.
-My queen is Mamie Phipps Clark: psicóloga americana que estudou os efeitos psicológicos negativos da segregação em estudantes Afro-americanos.
-My queen is Harriet Tubman: ativista abolicionista que realizou diversas missões de resgate de escravos no sul dos Estados-Unidos. Anos mais tarde, também militou pelo sufrágio feminina.
-My queen is Anna Julia Cooper: socióloga, educadora e autora, quarta mulher afro-americana a obter um doutorado.
-My queen is Angela Davis: ativista política, próxima do movimento dos Panteras Negras e pensadora feminista.
-My queen is Nanny of the Maroons: líder que ao escapar da escravidão fundou uma comunidade maroon na Jamaica.
-My queen is Yaa Asantewaa: liderou, em nome do império Ashanti, da atual Gâmbia, uma guerra contra o colonialismo britânico
-My queen Albertina Sisulu: ativista anti-apartheid da África do Sul.
-My queen is Doreen Lawrence: Britânica de origem Jamaicana cujo filho foi assassinado por um ataque racista em Londres em 1993. Promoveu reformas no sistema policial e fundou o “Stephen Lawrence Charitable Trust”.

Cada música consegue se impor de maneira sólida e independente, cada rainha tendo sua própria personalidade, algumas mais energéticas, outras mais melódicas e calmas. Apesar dessa diversidade, o álbum consegue se construir perfeitamente na sua totalidade sob uma única identidade: a energia de inovação e resistencia que inspirou todas essas mulheres fortes.

Para concluir, o álbum constitui uma forte mensagem e homenagem a grandes personagens de resistência e inovação, cujas personalidades refletem na forte energia musical.

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