quinta-feira, 27 de setembro de 2018

The West Coast Get Down e o Renascimento musical de Los Angeles


The West Coast Get Down e o Renascimento musical de Los Angeles
Por Luca Szaniecki Cocco

Los Angeles parece ter se tornado o palco de uma nova geração de artistas, que misturam gêneros que vão do jazz ao hip-hop, do rock ao funk, do R&B à música clássica: hoje falaremos do grupo West Coast Get Down.

O West Coast Get Down, formado por 9 membros que se conhecem basicamente desde a infância, é uma fonte incrivelmente rica de músicas originais, viciantes e maravilhosas. Muitos de seus membros já lançaram álbuns próprios, sempre trabalhando juntos, alguns dos quais iremos analisar em breve nesse artigo.

O grupo é formado por Thundercat (baixo), Ryan Porter (trombone), Patrice Quinn (voz), Cameron Graves (piano), Kamasi Washington (saxofone), Tony Austin (bateria), Brandon Coleman (teclado), Miles Mosley (contrabaixo) e Ronald Bruner Jr (bateria).

A maioria cresceu nas mesmas vizinhanças, nas mesmas escolas e sempre compartilhou uma mesma paixão: a música. Muitos participaram de orquestras de escola ou faziam suas próprias bandas de garagem, por exemplo. Kamasi, Bruner, Thundercat e Graves, por exemplo, já haviam lançado um pequeno álbum (com muitos “jazz standards”) sob o nome “Young Jazz Giants” em 2004. O nome da banda parece resumir tudo o que eles se tornariam no futuro: uma nova geração de músicos originais e “virtuosos" cuja base comum é o jazz, embora explorem muito mais que apenas um gênero musical. Já nesse primeiro álbum há indícios do que se tornaria a característica de sua produção musical no futuro.

O West Coast Get Down surgiu dessa vontade de reunir todas essas fortes identidades musicais, cada um com sua própria estética, que, juntas, formam uma bela sopa de gêneros musicais que vão muito além do jazz. 

De fato, como dito antes, a grande maioria de seus membros e colaboradores podem ter uma base comum no jazz, mas na verdade, sua música tira fonte de uma enorme diversidade de gêneros: além do jazz temos influências da música clássica (o lado orquestral e harmônico do primeiro álbum de Kamasi Washington principalmente), do pop (Miles Mosley e Ronald Bruner Jr. em seus respectivos álbuns solos), do funk e R&B (Thundercat), gêneros de música latinas (várias músicas do novo álbum de Kamasi possuem um forte ritmo latino), hip-hop (os beats de algumas músicas de Kamasi ou em Thundercat) e, se analisarmos bem profundamente, até mesmo de rock progressivo (as vezes os solos de piano de Cameron Graves lembram bastante rock progressivo, ou metal progressivo, misturadas com ritmos e “linguagens” do jazz). Geralmente, essas misturas provêm de suas próprias experiencias musicais. Kamasi Washington, por exemplo, já colaborou com diversos artistas renomados que influenciaram em sua música de uma maneira ou de outra, como Snoop Dog, Kendrick Lamar ou a dupla Ibeyi.

Nessa sopa de gêneros musicais, o que predomina e conecta esses artistas é justamente essa vontade de renovação e criatividade: por um lado renovar gêneros como o jazz, considerado morto por muitos, e por outro, criar algo de mais original nos gêneros mais atuais, como o pop e o R&B. O resultado é maravilhoso. Cada álbum é de extrema qualidade e sensibilidade.

Além de uma sensibilidade musical, algumas músicas exploram um lado mais político. De fato, músicas como “Malcolm’s Theme” (clara alusão a Malcolm X) se tornaram referência, e Kamasi Washington foi nomeado o “novo embaixador do jazz” e “embaixador musical” do movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos. Outro exemplo é a música "Obamanomics" de Ryan Porter. 

O caso de Kamasi é bastante surpreendente pois sua música é tão transcendental e abrangente que ele foi até chamado para se apresentar no festival Coachella de 2018, normalmente palco de bandas de rock, indie rock e eletrônica. Um músico de “jazz” no Coachella é de extrema importância pois já faz muitos anos que o jazz não consegue atingir um público tão grande e tão jovem. Como Kamasi já explicou em algumas entrevistas, pessoas que não sabiam que o que ele fazia era “jazz”, ou que, na teoria, não gostavam do gênero, no final se perguntavam: ”mas isso é jazz? Se for o caso, eu adorei!”

Antes de voltarmos ao West Coast Get Down, precisamos falar um pouco sobre o atual cenário musical nos Estados Unidos, e em particular, como o nome do grupo e do artigo sugerem, na Costa Oeste e em Los Angeles.

Los Angeles sempre teve um relacionamento de amor e ódio com o jazz. Por um lado, ela parecia ser ignorada pelos críticos de música que apenas olhavam para a costa leste (Chicago e Nova York principalmente) ou para o sul rural e racista, de onde surgiu o gênero (Memphis, Kansas City, Nova Orleans). Porém, Los Angeles foi sempre uma zona de passagem para vários importantes músicos de jazz como Dexter Gordon, Charlie Parker, Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, entre outros, e não demorou para que a cidade criasse seus próprios artistas, como o grande compositor Charles Mingus. Como Ben Grenrock diz, Los Angeles foi dos anos 20 a 50, uma “Mecca do Jazz” ("jazz meca"). Depois dos anos 50, o palco inovador de Los Angeles começa a desaparecer pelo declínio econômico e leis racistas (uma particularmente, de 1948, limitou o número de afro-descendentes capazes de adquirir propriedades).

Hoje em dia, o West Coast Get Down são descendentes desses artistas inovadores, o maior exemplo sendo Charles Mingus, e são um dos grandes responsáveis pelo “renascimento musical” de Los Angeles. 

Outro grande responsável é Flying Lotus (aliás, sobrinho-neto de John Coltrane), músico de eletrônica experimental, e seu estúdio Brainfeeder, que possui grande potencial e promove artistas pouco conhecidos. Esse foi o caso em 2010 quando Brainfeeder lançou o primeiro álbum do jovem pianista (que tocou no festival de jazz de Tóquio com lendas do jazz, como Chick Corea, ainda adolescente), Austin Peralta. Embora tenha morrido precocemente 2 anos depois, Peralta foi de grande inspiração para essa nova geração que começava a misturar gêneros como jazz, hip-hop, música eletrônica, etc. Outra grande novidade com Peralta era a sua idade, assim como a demografia de seu público: as músicas pareciam agradar cada vez mais ao público jovem, algo que o jazz não conseguia mais fazer desde muito tempo. Outros nomes que merecem atenção nesse renascimento musical, em parte caracterizado por essa fusão de jazz com outros gêneros, são Natasha Agrama, Josef Leimberg, The Breathing Effect e Miguel Atwood-Ferguson.

O álbum de Austin Peralta, Endless Planets, lançou a pequena faísca do que iria se tornar um renascimento musical de Los Angeles, mas a verdadeira explosão foi em 2015, com o lançamento de "The Epic" por Kamasi Washington, um dos membros fundadores do West Coast Get Down. Pela primeira vez o grupo é então reconhecido pela crítica mundial e cria um público extremamente forte e dinâmico. O West Coast Get Down é então uma constante metamorfose, pois reúne personalidades extremamente diferentes musicalmente. Além disso, eles adoram colaborar com outros artistas, alguns dos quais já mencionei aqui, como Flying Lotus, mas também Terrence Martin e Robert Glasper (inovadores do jazz misturado com hip-hop), ou a dupla Ibeyi, que lançou a linda música "Deathless” com a ajuda de Kamasi Washington.

Cada membro do grupo também desenvolve sólidas carreiras solos, e agora farei uma breve lista dos principais álbuns lançados pelo West Coast Get Down:

Kamasi Washington: The Epic (2015):



Considerado o terceiro álbum de Kamasi, é realmente o primeiro álbum solo de Kamasi Washington que reúne todos os membros do West Coast Get Down, assim como outros participantes e colaboradores. Sucesso de público e crítica, o nome do álbum diz tudo: os arranjos orquestrais de Washington, sua mistura de jazz com música clássica, ritmos latinos, R&B, funk e não sei mais quantos gêneros, criam uma atmosfera única no mundo da música. A explosão do The Epic tira o West Coast Get Down do esquecimento e Kamasi é nomeado Embaixador do Jazz. Aliás, algum dia ainda farei uma análise mais profunda deste álbum. Cada segunda desse gigantesco álbum de 3 horas vale a pena. Explosão.

Thundercat: Drunk (2017)




Se um adjetivo pode resumir o papel de Thundercat no West Coast Get Down, eu escolheria o famoso “groove”. O baixista (um dos melhores da atualidade com certeza) possui uma estética bastante particular que mistura funk, R&B e pop, junto com uma atmosfera bastante estranha e psicodélica, bastante parecida com a obra de Flying Lotus. Mesmo havendo participações de grandes estrelas do mundo da música como Pharrel Williams, Kendrick Lamar ou Wiz Khalifa, Thundercat é quem se sobrepõe, seja com sua voz, seja com seu baixo psicodélico e groovy. Para os curiosos, Ariana Grande fez um ótimo cover da música “Them Changes”.

Cameron Graves: Planetary Prince (2017): 




O álbum solo do pianista Cameron Graves nos entrega algumas surpresas. Cameron mostra sua capacidade como pianista e como líder de banda nesse álbum espetacular e tão épico quanto Kamasi. Os solos de Graves também são extraordinários e hipnóticos, e contribuem na construção da atmosfera cósmica do álbum (sugerida pelo título e pelos nomes das músicas). Ainda mais, os solos de Graves, que se prova um grande virtuoso do piano, misturam perfeitamente o seu percurso na música clássica e seus outros gostos musicais: Graves também é um grande fã de rock e metal progressivo. O álbum explora uma área de interesse de Graves, a astrologia, com grande originalidade musical. Outra curiosidade do álbum são suas várias referências ao “Livro de Urantia”, uma curiosa obra que mistura ciência e espiritualismo, que inclusive inspirou muitos outros músicos como Jerry Garcia ou Jimmi Hendrix (e na música clássica, Stockhausen).

Miles Mosley: Uprising (2017): 



O mais pop dos álbuns citados, Miles Mosley (nomeado em homenagem a Miles Davis, aliás), facilmente reconhecido por seu "benet", cria mais um fantastico álbum que reúne as mais diversas influências: do jazz vocal/orquestral, ao pop, R&B, funk e até do blues. Com certeza um álbum extremamente viciante, com ótimas músicas e pulsante de energia positiva.

Ryan Porter: The Optimist (2018): 




O mais recente álbum de Ryan Porter, o trombonista do grupo. Porter, que já colaborou com diversos artistas como Herbie Hancock (grande pianista de jazz-fusion), Stevie Wonder, Rihanna, Kanye West, Snoop Dog, Mariah Carrey e Kendrick Lamar, finalmente lançou um álbum solo em 2018 que mostrou seu talento no trombone e na composição com mais clareza. Embora não tenha feito tanto impacto, a música de Porter é potente tanto no sentido musica, quanto no político, pois retrata em várias de suas músicas, as eleições de Barrack Obama e o que elas representaram para a comunidade afro-americana.

Aqui está a minha lista oficial de álbuns necessários para entender o fenômeno do West Coast Get Down. Espero ter provado que esse grupo musical, tendo em seu portfólio uma vasta lista de gêneros musicais, é capaz de atrair qualquer fã de música com sua originalidade sem igual. Tenham paciência que esse é só o começo de sua fama.







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