Uma
análise geopolítica russa desde o século XIII
Por Luca Szaniecki Cocco
2018 e Vladimir Putin ganha mais um mandato de seis longos anos na Rússia: uma vitória confortável com 76,66% dos votos.
Além do mais, sua popularidade parece ter aumentado desde 2014 já que o número de votos passou de 45,2 a 56,2 milhões nestas últimas eleições. Não foi uma enorme surpresa considerando que seu principal opositor, Boris Nemtsov, está morto desde 2015 (assassinado a tiros) e a candidatura do novo concorrente de Putin, o blogueiro e empreendedor, Alexei Navalny, foi barrada pela lei russa sob acusações de corrupção (este que começou sua carreira política na luta contra a corrupção do governo Putin). Os outros candidatos não estavam a altura: Pavel Grudinin pelo Partido Comunista (que surpreendentemente continua em segundo lugar desde o fim do Bloco Soviético) obteve apenas 11,8% das vozes, Ksenia Sobtchak (candidata liberal da televisão) com 1,67% e Grigory Yavlinsky (candidato “democrata”) com 1,04%.
De
certa forma, essa eleição não mostrou nada de muito novo para Putin
que destrói calculadamente qualquer forma de oposição desde que
chegou ao poder em 1999 com a saída de Boris Yeltsin. Um evento
pouco divulgado na Rússia por exemplo é que, ao mesmo tempo em que
Putin era “coroado” presidente pela primeira vez, sua força
policial atacava um café muito frequentado pela oposição. Porém,
temos que notar alguns fatores muito importantes dessas eleições. Primeiro, o
crescimento do PIB russo em 2017 foi mais ou menos de 1,8%, o que
parece mostrar que sua economia está se recuperando depois da
recessão de 2014 com a queda dos preços do petróleo, porém ainda
é muito dependente dos hidrocarbonetos e a renda nacional bruta por
habitante está em queda desde 2013. 19,8 milhões de russos vivem
abaixo da linha da pobreza. Esses dados podem gerar questionamentos
sobre como Putin consegue permanecer tão popular entre a população.
Mas, não se pode esquecer dos últimos eventos que tem marcado a
geopolítica russa desde 2014, com a anexação da Crimeia. De fato,
a anexação parece ter revivido um orgulho russo esquecido desde
1991 (queda da União Soviética) e se tornou uma peça chave para as
eleições de Putin de 2018. A aprovação eleitoral de Putin nesse
antigo território Ucraniano foi de 90% e Moscou registrou uma
participação eleitoral de “mais de 98%” entre os militares.
Também é preciso notar que o recente evento do envenenamento de um
ex-espião russo na Inglaterra pode ter, de fato, ajudado Putin a
consolidar o perfil anti-ocidental entre os eleitores mais
nacionalistas.
Mesmo
com todas as controvérsias desta eleição, de uma oposição
interna (principalmente entre os jovens) e externa (ocidental pelo
menos) cada vez mais potente, Putin parece continuar firme em seu
projeto de potência. Aqui estudaremos como Putin parece seguir uma
certa tendência histórica na tradição política e geopolítica
russa que pode ser a origem de sua popularidade e como ele parece
inaugurar uma nova fase da geopolítica russa com novas estratégias.
Faremos primeiro uma introdução à chamada “tradição
geopolítica russa” desde o século XIII, para depois passarmos a
transição do Bloco Soviético ao governo de Putin e, enfim, o que
parece ser o inauguramento de uma nova fase da potência russa.
I)
Introdução à geopolítica russa desde o Século XIII, notadamente
com o “Grande Jogo”.
Em
seu artigo publicado na Revista Militar, Eduardo Eugênio Silvestre
dos Santos divide a História da Ásia Central em 5 períodos
principais: o pré-islâmico, o islâmico, o mongol, o século XVI ao
XIX e o russo-soviético. Nos interessaremos principalmente nos
últimos 3 pois são onde a influência russa é a mais essencial e
que ainda possuem resquícios nas geopolíticas atuais envolvendo a
região.
Até
antes do século XIII, a Rússia era um território imenso e dividido
constantemente atacado e saqueado por povos nômades do oeste
asiático. Porém, a experiência realmente traumatizante e cuja
sombra, por incrível que pareça, ainda se faz sentida na Rússia de
hoje, é a grande conquista de Genghis Khan (1162-1227). De fato,
após a conquista continental do “Lobo Cinzento”, o território
hoje conhecido como Rússia passou por mais de 250 anos de dominação
e opressão mongol. Após a morte de Genghis, a Rússia foi dividida
arbitrariamente em um sistema autoritário e descentralizado de
vários “Khanatos” ou “Canatos” cujos nomes ainda ressoam
hoje em dia: o canato da Horda Dourada (o mais duradouro), o canato
de Kazan, Astrakan e da Crimeia. Por mais longínquo que esses
eventos pareçam, eles podem explicar grande parte da tendência
xenofóbica e de política externa agressiva russa desde então.
George
Kennan, figura central da Guerra Fria no mundo diplomático e figura
chave da doutrina Truman (plano de contenção da União Soviética,
que também estudou a relação histórica da Rússia com o Ocidente
escreveu: “A cautela e a flexibilidade soviéticas são atitudes
solidificadas nas lições da história russa: séculos de batalhas
entre forças nômades na vastidão de planícies desprotegidas”.
O
século XV pode ser considerado o começo da história geopolítica
russa como tal. De fato, esse século marcou o começo da conquista
russa que se estendeu até o século XVII. Esta conquista começou
com o Grão-Príncipe de Moscou, Ivan III, o Grande, que decidiu
acabar com o sistema de Canatos no território russo. Na época, a
Rússia continuava dividida em 3 territórios: um território ao
sudoeste sob dominação polaca, a Horda Dourada e o território
nordeste, que incluía Moscou e que pagava tributos a Horda. Ivan III
foi então o responsável pela conquista dos territórios da Horda,
que então se diminuiu e se dividiu: grande parte fazia agora parte
do Império Russo mas uma minoria (mas estratégica) ainda era
independente: era o caso do Canato da Crimeia. Pudemos ver que essa
cobiça russa pela Crimeia data desse período pois a Crimeia foi
durante muito tempo um território que resistiu a nova dominação
russa (o canato da Crimeia resistiu até a Revolução Francesa, por
exemplo).
Passemos
então para a terceira fase geopolítica determinada por Eduardo
Eugênio Silvestre dos Santos: do século XVII ao XIX. De fato, após
Ivan III, a Rússia só expandiu em todas as direções, conquistando
antigos canatos mas também novos territórios da Ásia Central.
Porém, o Canato da Crimeia continuava independente e era o último
resquício do domínio mongol do território russo depois de Ivan IV,
o Terrível. O século XVII é então marcado por uma enorme
conquista imperial liderada por Pedro I, o Grande, que proclamou o
Império em 1721. No séculos XVII e XVIII, o principal objetivo
territorial russo é expandir para o sul, até chegar à Índia
britânica, e para o sudeste, para Constantinopla, que era um ponto
extremamente estratégico.
O
final do século XVIII e o começo do século XIX marca o começo de
uma fase que, para muitos, é considerada um dos maiores conflitos
geopolíticos da história: “o Grande Jogo”. Como visto antes, a
Rússia continuava com suas cobiças imperiais e chegava cada vez
mais perto de seus objetivos: Constantinopla e Índia. Catarina II, a
Grande, conquistou pela primeira vez a Crimeia no final do século
XVIII, o que simbolizava um novo período do Império. Em 1801 e
1804, Geórgia e Armênia respectivamente são conquistadas. Porém,
a Rússia encara um inesperado rival imperialista na Ásia Central: a
Inglaterra. Essa rivalidade foi descrita por Arthur Conolly (militar
britânico) como o “Grande Jogo”.
Por
mais que não se estude muito na escola esse conflito, o Grande Jogo
foi grande determinador dos países da Ásia Central e tem grandes
influências na geopolítica de hoje. Um exemplo é o Afeganistão.
Enquanto a Rússia continuava sua expansão no século XIX, a
Inglaterra temia por sua principal colônia na Índia. O Afeganistão
era então um pequeno país entre essas duas enormes potências.
Inglaterra então invadiu o território antes da Rússia entre 1839 e
1842 (a primeira guerra Anglo-Afegã) e impôs um “estado tampão”
extremamente instável com o objetivo de impedir a expansão russa.
Outro evento importante foi a Guerra da Crimeia de 1853-1856. A
Crimeia, após a breve conquista de Catarina, havia obtido novamente
uma certa independência. A Rússia não demorou muito para invadir
novamente o território, não só para reconquistar esse território
cobiçado a anos, mas também para se aproximar do Mar Negro e, logo,
de Constantinopla. O Ocidente (Inglaterra, França e Sardenha) se
aliou então ao Império Otomano para impedir essa expansão prevista
do czar Nicolau I.
O
ministro das relações exteriores russo de 1864 resume muito bem a
lógica russa durante o Grande Jogo: “A posição da Rússia na
Ásia Central é idêntica a de todos os estados civilizados que
entram em contato com população nômade e selvagem, que não
possuem uma organização social estável”. Nesse caso, a Rússia
se considera um Império Civilizado e, assim como o Ocidente
colonizou as Américas, ela tem o direito de colonizar seus vizinhos.
Historicamente, essa colonização também é uma espécie de
“vingança” por todos os ataques desses antigos povos nômades ao
território russo.
A
guerra entre Japão e Rússia de 1904, a primeira grande guerra do
século XX, continuou nessa tendência. De fato, ao ver a expansão
ao leste, o Japão resolveu atacar primeiro o território da
Manchúria. O Japão sempre teve uma tradição militar importante e
uma frota poderosa, apesar de várias crises econômicas. A frota
marítima russa era ínfima e pouco desenvolvida. A Rússia passou
então por muitas dificuldades (inclusive revoltas de operários em
1905, como a famosa revolta do encouraçado Potemkin) e acabou
sofrendo uma derrota colossal. Mesmo vitorioso, o Japão não
permaneceu com a Manchúria que, após um acordo de paz, ficou com a
China (o Japão atacará novamente este território na Segunda Guerra Mundial).
Enfim,
essa enorme fase de prosperidade territorial e orgulho nacionalista
imperial que durava desde o século XVII sob a forte dominação dos
“czares”, parece estar tomando um fim. De fato, a guerra com o
Japão teve grandes consequências socioeconômicas na Rússia que,
junto com a Primeira Guerra Mundial, levou a Revolução Russa de
1917. Não tratarei muito o aspecto ideológico/político que essa
Revolução trouxe por que tentarei continuar concentrado nas
estratégias geopolíticas.
A
União Soviética definida por Lenin, e depois Stalin, mudou as
fronteiras: as repúblicas soviéticas não eram territórios
dividido pela religião ou pela cultura (a Rússia sempre reivindicou
ser a defensora do cristianismo oriental e ortodoxo). Mas sua enorme
extensão não diminuiu. Ainda mais, no plano geopolítico, a União
Soviética não parece divergir da estratégia imperial do século
XIX: o Grande Jogo pela Ásia Central continuou (o exemplo da Guerra
do Afeganistão de 1979).
Porém,
o século XX, além de perdurar o Grande Jogo pela Ásia Central,
somou, graças a Guerra Fria com os Estados Unidos, o conflito pelo
Meio Oriente e o Mar Cáspio (maior reserva inexplorada de
combustíveis fosseis do mundo). De todo modo, a União Soviética,
assim como o Império czarista e o governo Putin tem uma tendência
imperialista, de totalidade, que depende de um território “vital”
da Ásia Central. Essa tendência se resume a doutrina Brejnev que
justifica a intervenção militar central nos outros Estados
Satélites comunistas. Junto com o Pacto de Varsóvia, e um controle
totalitário da população (inclusive graças ao Gulag), a União
Soviética foi capaz de manter seu enorme Império.
Além
disso, é preciso conhecer alguns dados da URSS: em 1917 o seu
território somava 14 repúblicas soviéticas (algumas foram anexadas
após o acordo Ribbentrop-Molotov), com 22 milhões de kilômetros quadrados e 60
nacionalidades oficialmente reconhecidas.
Agora
é preciso introduzir uma noção essencial para entender a posição
Soviética na Guerra Fria, que Eduardo Eugênio Silvestre dos Santos
chama de “eurasianismo”. Essa noção, claramente adotada não só
por Stalin e Lenin, mas também a figura do czar, afirma a Rússia
como um continente, que não pode ser resumida a Ocidente ou Oriente
pois possui características dos dois e próprias. Após 1917, a luta
interna do comunismo é a indivisibilidade da região: integridade
geográfica, econômica e étnica eurasiática. O eurasianismo é a
encarnação da teoria “terrestre” dos conflitos geopolíticos
que defende que as nações marítimas e terrestres estão destinadas
aos conflitos (conferir a teoria do Heartland de Halford John
Mackinder). Para Alexander Dugin, teórico e conselheiro político do
Kremlin (e fascista), o mundo foi dividido (mesmo após a Guerra
Fria) no Atlantismo dos Estados-Unidos e Reino Unido (primado da
economia sobre a política, o individualismo, liberalismo, democracia
protestante) e no Eurasianismo (autoritarismo, hierarquia política,
comunitarismo). Essa questão foi posta desde o começo da Revolução
com as divergências intelectuais entre Stalin e Trotsky. De fato,
Trotsky defendia que a Revolução deveria se espalhar pelo mundo,
seguindo a teoria marxista enquanto Lenin e Stalin preferiram
permanecer no domínio asiático. De certa forma, Trotsky foi o mais
marxista ao pensar sobre a “mundialização” da revolução
proletária. A doutrina eurasiática sobrevive ainda no mundo
político russo desde o fim da Guerra Fria. Citado antes, Alexander
Dugin fundou em 2002, com o apoio de Putin mas também de outros
partidos, inclusive o comunista, o Partido Eurasiático. Voltaremos
em breve a essa doutrina que parece ter crescido na URSS.
Após
a Segunda Guerra Mundial, a URSS se viu levar ao ramo de potência:
sua participação essencial na guerra lhe permitiu um posto
permanente no Conselho de Segurança da ONU, inclusive. George
Kennan, mencionado anteriormente, acreditava no conceito que a URSS
era uma potência com uma determinação, uma necessidade, histórica
e geográfica de se expandir. Assim, a URSS controlava suas
repúblicas com mão de ferro e não hesitava em invadir novos
territórios como o Afeganistão (embora tenha sido um enorme
fracasso). Essa política imperialista e autoritária, que para os
bolcheviques era a “ditadura do proletariado”, e para críticos,
como Boris Souvarine, um “capitalismo de Estado” ou um
“totalitarismo”, de escalas jamais vistas (inclusive durante a
Rússia czarista), durou até os anos 80. Antes disso, Nikita
Khrushchev havia tentado pôr a culpa dos milhões de mortes do
regime stalinista no próprio Stalin (em seu discurso secreto de
1956) invés de culpar o próprio sistema. Os anos 80 marcam enfim a
derrocada do regime que não conseguia mais se sustentar, nem com seu
controle mais absoluto da população. Foi um problema essencialmente
econômico e militar (a guerra do Afeganistão havia custado caro)
mas também um problema impregnado na própria lógica soviética. A
URSS havia chegado ao seu fim, não por causa de uma guerra com uma
potência estrangeira (Estados-Unidos) mas por por causa dela mesma,
de suas contradições filosóficas, assim como Camus havia previsto
já em 1951 (data de publicação do Homem Revoltado).
Gorbachev,
o último homem no poder do Partido Comunista nos anos 80, tentou
salvar a URSS, a beira da catástrofe econômica e cujo poderio
militar e político também parecia fora de controle. Sua Glasnost e
Perestroica (dois planos que pretendiam mudar o sistema econômico e
político) também fracassaram e a queda do muro de Berlim foi o
golpe final. A URSS já havia caído em 1989 (a queda do muro e a
Revolução de Veludo na Checoslováquia) embora só tenha
oficialmente desaparecido em 1991. é preciso falar sobre um evento
que envolve uma das figuras das quais falaremos em breve: Putin. Em
1989, Vladimir Putin ainda era um agente da KGB (polícia secreta
soviética) e se encontrava no departamento desta organização de
Dresda, Alemanha oriental quando o Muro caiu e manifestantes
resolveram protestar em frente ao prédio. Diante da provável
abordagem violenta, Putin tomou o controle da situação e esse foi
um momento dramático e importante para a formação de Putin segundo
Julia Ioffe (jornalista e responsável por uma biografia de Putin).
De fato, ao se deparar diante de uma multidão de manifestantes,
Putin resolveu queimar o máximo possível de arquivos da KGB na
fornalha do prédio antes de se dirigir à população avisando que
haviam soldados armados dentro do prédio e que era melhor para todos
que se retirassem. Muito mais tarde, Putin lamentará a queda da URSS
como: “a maior catástrofe geopolítica do século” passado.
Ao
final da URSS, a Rússia se depara com nenhuma forma de cultura
democrática aparente desde o século XII. Essa tradição, porém,
não significa nem justifica nada. A História mostrou que muitos
países sem tradição democrática podem desenvolver seus próprios
governos não autoritários e muitos governos que se diziam
democráticos praticaram o imperialismo assim como a Rússia e a
URSS, como a Inglaterra.
Enfim,
antes de passar para a próxima parte deste artigo, é preciso fazer
alguns comentários importantes. Nesta parte analisamos como a
história da Rússia desde o século XII e suas “tradições
geopolíticas” e como evoluíram. Por um lado a tradição czarista
da reconquista e de cobiças territoriais no “Grande Jogo” e do
outro o comunismo autoritário que marcou o século XX e que
permanece influente até hoje em dia. Agora faremos uma breve, mas
importante, crítica dessa visão da Rússia, muito expandida no
mundo ocidental, com apoio nas ideias de Alexander Solietsin. Este
último é uma figura bastante particular da Guerra Fria: era um
marxista afinco no início da sua vida, serviu no Exército Vermelho
mas acabou sendo preso e exilado por insultar Stalin em cartas
privadas (sim a polícia podia ler cartas privadas). Ele então se
tornou um dos maiores críticos do comunismo soviético e escreveu
muitos livros nos Estados Unidos, principalmente retratando a
realidade dos Gulags. Sua crítica a visão da Rússia que estudamos
até esse ponto é que essa visão seria, para ele, racista. O
Ocidente atribuindo o que acontece na Rússia do ponto de vista
político à uma tradição autoritária é, não somente equivocada,
mas tira a atenção do verdadeiro inimigo que o Ocidente teme em
enfrentar: a URSS. De fato, a primeira frase de seu livro “O Erro
do Ocidente” é: “ Os erros fatais do Ocidente em seu
comportamento quanto ao comunismo começaram em 1918, quando os
governos ocidentais não viram o perigo mortal que ele representava
para eles”. O autoritarismo russo dos últimos tempos não seria
então uma consequência de uma tradição que data do czarismo
conquistador mas sim da tirania soviética e suas cicatrizes.
Nacionalismo russo e imperialismo soviético seriam contraditórios
por natureza pois o comunismo, tal como era, era anti-nacional e só
precisava expandir oprimindo os povos que encontrava. Soljenitsin
criticava a concepção que o povo russo era o dominante e
colonizador do regime pois, por princípio, ele foi o povo onde seu
nacionalismo mais foi atacado e criminalizado. Os propósitos de
Soljenitsin foram bem polêmicos no Ocidente pois defendia um forte
nacionalismo (que às vezes beirava o autoritarismo) que, por
exemplo, explicaria o seu apoio à Putin até sua morte em 2008. Ele
não foi capaz, porém, de ver além das cobiças nacionalistas
puramente russas de Putin e ver suas tendências datadas da União
Soviética.
Concordando
ou não com a teoria (polêmica) de Soljenitsin, o czarismo pode
criado uma tendência autoritária, mas que aumentou exponencialmente
no período soviético, pela própria natureza do comunismo segundo
Soljenitsin ou por simples continuidade totalitária. chegamos
finalmente a fase de transição do Bloco Soviético à Federação
Russa, fase essencial para entender a situação Russa e a ascensão
política de Putin.
II)A
transição do Bloco Soviético à Federação Russa.
Os
anos 80 marcam o fim de um Império, dessa vez não nacionalista e
monárquico como no czarismo mas ideológico e governado por uma
oligarquia partidária. Após anos de relativo progresso econômico,
baseado principalmente na industrialização (mas enorme fracasso
humanitário com milhões de mortos pela fome e pela opressão), era
o começo do declínio no nível de vida, ineficiência do setor
agrícola (depois de anos de concentração forçada dos camponeses
nos kolkhozes), escassez de alimentos, baixa produtividade da
indústria e enormes despesas na Segurança e na Defesa
(principalmente durante a guerra do Afeganistão em 1979). O Partido
Comunista, o Politburo para ser mais preciso, passava então por uma
grave crise estrutural e via que estavam perdendo o controle de seus
territórios cada vez mais turbulentos e difíceis de oprimir. Ao
escolherem Mikhail Gorbachev para ser seu novo dirigente em
1985, eles já pretendiam tentar mudar a situação. Gorbachev queria
salvar o sistema de estagnação, miséria e corrupção ao renunciar
a doutrina Brejnev (o que dava mais liberdade aos países satélites)
e reformas econômicas como a Perestroika, que reduzia o gasto em
Defesa (prioridade soviética desde a Segunda Guerra Mundial) e o
começo de uma liberalização dos mercados, e políticas como a
Glasnost que representava uma abertura das liberdades individuais até
então reprimidas e controladas.
As
reformas não foram suficientes a URSS desapareceu oficialmente em
1991 com uma derrota política, social e econômica. Os primeiros
anos da transição da União Soviética para a Federação Russa
foram marcados por uma grave crise financeira com um baixo PIB por
habitante, população com alta taxa de mortalidade e emigração
para fora do pais (como o êxodo da Alemanha Oriental para a parte
Ocidental) e grandes dívidas externas. Do ponto de vista geopolítico
e político, a Rússia se retraiu geograficamente com a independência
de várias antigas repúblicas soviéticas e perdeu aliados e
tratados internacionais. O espectro político russo se dividia
novamente entre os internacionalistas liberais que acreditavam que os
valores ocidentais do pluralismo e da democracia são aplicáveis na
Rússia, mesmo sem nenhuma tradição democrática, e os
“eurasianismo” derivados da União Soviética, com linhas
ideológicas mais patrióticas e sua crença na Rússia como um
estado não pertencente ao Ocidente nem ao Oriente. O que é
interessante é que essa última tendência parece reconciliar
teorias a princípio contraditórias como o comunismo com religião
ortodoxa e fundamentalismo nacionalista e, com isso, consegue
conquistar adeptos de todo o espectro político. O partido
eurasianista, como dito antes, foi fundado por Alexander Dugin em
2002 (com a ajuda de Putin) e este influencia diversos partidos
maiores como o Partido Comunista (segundo maior do país) com
Guennadi Ziuganov, o ex-primeiro ministro Yevgeny Primakov (também
ex-agente da KGB), e o ultra-nacionalista Vladimir Zhirinovsky, sem
contar Vladimir Putin.
A
particularidade deste último é que ele foi capaz de conciliar a
teoria eurasianista, já bastante ampla, com a teoria mais liberal no
sentido mais econômico. Esta abertura da economia, que já havia
começado com a Perestroika em uma ínfima escala, continuou sob
Boris Iéltsin, primeiro presidente depois da queda da União
Soviética. O governo de Iéltsin nasceu de grandes expectativas,
este era reconhecido por sua corajosa oposição durante a URSS, mas
sem grandes efeitos. Seu governo foi considerado um desastre por suas
reformas econômicas insuficientes e fracas e principalmente um
governo extremamente corrupto (sem contar os constrangimentos
causados pelo seus casos de alcoolismo). Vladimir Putin, então
político em plena ascensão, se aproveitou do momento para aumentar
sua popularidade. Rapidamente escalou sua carreira política até o
posto de Primeiro-Ministro, e quando Boris Iéltsin renunciou, tomou
posse.
Assim começa uma nova fase para a Rússia, depois de anos turbulentos do fim da União Soviética para a complicada formação da Federação Russa com Vladimir Putin.
III)
Putin e uma nova fase da potência russa ?
Putin,
como dito anteriormente, considera o fim da União Soviética como o
maior desastre geopolítico do século XX. Embora nunca tenha dito
oficialmente, também podemos concluir que o período de transição
da URSS para a Federação Russa sob Boris Iéltsin foi provavelmente
algo humilhante para Putin também. Ele via um império ruir sob o
desastre econômico e político. Putin mal chegara no posto de
Primeiro-Ministro quando liderou a ofensiva russa na Chechênia em
1999. Esse foi um importante marco político e militar para Putin e
para o novo começo da potência Russa e por isso temos de
explicá-lo.
O
território hoje conhecido por Chechênia foi um território sob a
dominação soviética sempre bem complexo devido a presença de
chechenos, russos e o povo cossaco, além de possuir uma influência
islâmica bastante forte (origem de um conflito em 1859 com a Rússia
czarista). Durante Stálin, foram deportados dezenas de milhares de
chechenos por terem supostamente ajudado o invasor alemão (apesar de
40 mil soldados chechenos terem lutado contra os nazistas no Exército
Vermelho) e só puderam voltar 1957. Quando a União Soviética caiu,
os chechenos não pensaram duas vezes para declarar sua independência
diante da Rússia ainda em 1991. Em 1994 e 1996 a primeira guerra da
Chechênia se tornou realidade quando tropas russas tentaram tomar o
controle da região. A guerra, mesmo com poder bélico superior da
Rússia, foi vencida pela Chechênia graças às táticas de
guerrilha de grupos armados nas regiões mais montanhosas (muito
parecido com a derrota dos Estados Unidos no Vietnã. A derrota fora
um elemento muito desmoralizador, principalmente do exército russo.
A
primeira guerra da Chechênia, porém, não foi esquecida pela
população chechena que, apesar da vitória, viu mais de 50 mil
civis mortos e 800 mil tiveram que abandonar suas casas. Em
1999, após uma série de atentados chechenos nas províncias do
Daguestão, da Ossétia do Sul e na própria Rússia, esta deve
intervir mais uma vez no território (embora alguns dizem que o
próprio Putin explodiu prédios para poder declarar a guerra). Essa
foi a oportunidade de Putin, então Primeiro-Ministro, de obter uma
vitória que lhe havia sido tirada em 1996. Uma rápida “vitória”
assegurou a popularidade de Putin (76% da população russa apoiava a
intervenção). Nos anos 2000, a Rússia já considerava o conflito
acabado mas alguns grupos “terroristas” ainda atuam nas regiões
mais montanhosas (acredita-se que sejam apoiados pelo Al-Qaeda
também). Com esse conflito, Putin assegurou sua vitória nas
eleições presidenciais de 2000.
A
partir de então, o Ocidente começou a entender as prioridades de
Putin. Este popular e carismático ex-agente da KGB tinha prioridades
a princípio nacionais, para a reconstrução do país e do status de
grande potência da Rússia. Porém, para reviver essa potência,
Putin também precisava manter um papel importante nas ex-repúblicas
e impedir a expansão da OTAN liderada pelos Estados-Unidos nas suas
tradicionais áreas de influência. Por essa razão, por exemplo, as
relações da Rússia com a Geórgia se intensificaram quando a OTAN
tentou integrar este último país (que também havia apoiado a
separatistas chechenos na guerra) ou quando a Rússia condenou a
instalação de mísseis balísticos de intercepção na Polônia em
2008. Aliás, nesse ano (2018), a Polônia adquiriu a maior compra de
armas de sua História com os Estados-Unidos (mediado pela OTAN),
somando 4,75 bilhões de dólares, sob a justificativa da “ameaça
russa”.
No Grande Cáucaso, Putin permanece com suas políticas e estratégias para destruir os movimentos autonomistas, separatistas e também islamitas na Chechênia, Daguestão, Ossétia do Norte e do Sul, Inguchétia e Abkházia. A Geórgia também foi alvo de conflitos com a Rússia em 2008 quando Putin interveio para enfrentar movimentos separatistas da Ossétia do Sul e Abecásia. Essa guerra é também conhecida como a Guerra dos Cinco dias por causa da forte reação e destruição russa. Mesmo se um acordo foi assinado, tropas russas ainda se encontram nas províncias “rebeldes”.
Mas
até esses conflitos, Putin apenas parece querer reviver a glória
soviética nas suas antigas repúblicas. Não parece haver algo
original nisso. Desta vez a grandeza não se encontrará no profecia
dialética da História mas a vitória será encontrada na geografia,
no espaço e não no tempo. Porém, Putin também parece expandir
suas estratégias em novos territórios frágeis e até mesmo no
Ocidente.
De
fato, Putin parece se interessar cada vez mais pelo Meio Oriente, por
exemplo. Hoje em dia é o aliado mais poderoso de Bashar-Al-Assad na
Síria e o ajuda a combater rebeldes e curdos no território. A
Rússia também se aliou com o Irã para tentar contrapor a
influência americana no Mar Cáspio e trocam cada vez mais armas.
Ainda mais, Putin é bastante aliado de Netanyahu,primeiro ministro
de Israel, principal oponente do Irã (como mostram os recentes
ataques de mísseis israelenses). Aliás, o Catar foi “boicotado”
pela Arábia Saudita justamente por essa aliança (Catar, sunita,
troca cada vez mais petróleo com o Irã, xiita e principal oponente
“ideológico” da Arábia). A Turquia, também controlada por um
presidente “forte” como Putin, representaria um concorrente de
influência na Ásia Central e por isso Rússia tenta cada vez se
aproximar de Erdogan para evitar potenciais conflitos (inclusive com
oleodutos), mesmo estando em lados opostos na guerra da Síria.
O
Cáucaso continua uma região extremamente frágil devido a suas
reservas de petróleo (até Hitler havia percebido sua importância
quando decidiu atacar o território soviético para poder ter acesso
a esse território). Graças a esse petróleo e ao gás natural,
Putin também desenvolveu uma nova estratégia política, digna dos
romanos. A União Soviética já havia começado a perceber as
possíveis vantagens de seus recursos energéticos e Putin já as
entende muito bem. Desde 1999, aproveitando a crise no Kosovo, Putin
reforçou o controle dos oleodutos. Hoje em dia, é o principal
fornecedor de gás natural para a Europa. Sua aliança com o Irã
permitiu uma expansão de seus oleodutos principais para a região do
Oriente Médio. A importância do controle desses dutos é que, para
poder evitar conflitos, Moscou ameaça o fechamento desses dutos.
Essa estratégia foi por exemplo, usada durante a anexação da
Crimeia em 2014, da qual falaremos adiante. Gasodutos importantes
como o Nord Stream I e II e o Turkish Stream são hoje de extrema
importância para a Rússia e toda a região que se estende da Europa
Ocidental até a Ásia Central. A Rússia desenvolveu grandes aliados
não-ocidentais com a ajuda desses recursos energéticos como China,
Turquia, Irã e Catar.
A
anexação da Crimeia em 2014 chocou o mundo por sua rapidez e
violência. A Ucrânia sempre foi um território essencial da União
Soviética por causa de seus fortes recursos agrícolas: era a
principal fonte de alimento de todo o território. Por isso Stalin
entendeu que sua população deveria ser extremamente mais controlada
que a média para que não tenham a possibilidade de se revoltar
contra o sistema. Desse modo foi organizado o “Holodomor”, ou
genocídio ucraniano, onde milhões de ucranianos morreram de fome
entre 1932 e 1933 (números variam entre 3 a 20 milhões). Após a
queda da URSS, a Ucrânia foi alvo de uma forte polarização
política, assim como na Rússia, entre os pró-russos e os
pró-americanos ou pro-Europa. Tanto Estados-Unidos quanto Rússia
perceberam a importância desse território e influenciaram políticos
dos dois lados.
Em 2012, o presidente Viktor Yanukovich é
reeleito na Ucrânia. Fazendo-se mostrar pro-Rússia, este recusou um
acordo com a União Europeia de ajuda financeira para aceitar o
acordo russo (os dois propuseram uma soma de 15 bilhões de dólares
porém Putin também havia oferecido uma redução no preço do gás).
A decisão seguiu de uma forte oposição no Parlamento a na
população que decidiu ir às ruas. A multidão do nascente
movimento EuroMaidan havia escolhido a União Europeia e não a
Putin. Os protestos foram extremamente violentos entre as forças da
ordem e a multidão pró-europeia. O movimento fez com que o
presidente, também acusado de corrupção, fosse exilado para a
Rússia e renunciasse em 2014. Moscou considerou o movimento um Golpe
de Estado e mobilizou 7 milhões de russófonos e separatistas
ucranianos (que eram financiados desde o fim da União Soviética).
Com o apoio forte no território da Crimeia (antigo kanato), o
Parlamento Russo aprovou a intervenção militar para a “proteção
dos russófonos” da região. Com o caminho livre da reação
militar ocidental por causa dos gasodutos, a Rússia anexou o
território da Crimeia. A estratégia de Putin foi digna das
cidades-estados da Itália que, como Maquiavel conta, bloqueavam os
rios para deixarem as cidades inimigas sem água. Com medo dessa
mesma retaliação, a União Europeia não ousou reagir militarmente
mas, junto com os Estados-Unidos, impôs várias sanções. A Rússia
foi expulsa do G8, dirigentes russos foram proibidos de entrar em
diversos países, a retenção de ativos financeiros e uma maior
presença militar na Turquia (que é aliada dos Estados-Unidos
igualmente), Polônia e Romênia. Apesar das sanções, a operação
foi uma vitória pois agora a Ucrânia permanece frágil, o movimento
disperso, a anexação é de grande popularidade tanto na Rússia
quanto na Crimeia e a anexação inspirou outros movimentos do leste
ucraniano como nas províncias de Donetsk e Lugansk, também
majoritariamente russófonos.
Vimos
então como a Rússia de Putin continua com algumas de suas tradições
geopolíticas do século passado mas também desenvolve novas
estratégias ligadas ao petróleo e novos aliados. O outro aliado
mais poderoso de Putin está sendo a China. Embora tenha se
posicionado várias vezes contra as decisões da Rússia (inclusive
na anexação da Crimeia) Putin e Xi Jinping possuem uma relação
cada vez mais estável e poderosa, inclusive no ramo do
petróleo. A China por sua vez, se distanciou da União Soviética
depois da crise de Cuba em 1962 por que a retirada soviética
representava uma derrota e Mao Tse-Tung pretendia ser o novo líder
do bloco comunista. URSS e China chegaram até a ter alguns pequenos
conflitos pouco conhecidos em suas fronteiras. Para ser mais preciso,
haviam mais de 800 000 russos e 600 000 chineses vigiando a
fronteira. Hoje em dia, Putin e Xi Jinping (atual dirigente chinês)
tem mais em comum do que diferenças na maneira na qual dirigem seus
respectivos países e suas relações exteriores. Assim como a Rússia
na Ásia Central ou no Cáucaso, a China também possui uma
estratégia de expansão imperialista nas ilhas do Pacífico, nos
países da antiga Indochina (Camboja, Vietnã, Laos, etc), e nos
países que não reconhece a independência (Taiwan, Tibete). A
Austrália, assim como a Polônia, aumenta cada vez mais suas
despesas militares e já acusou a China de subornar políticos para
agirem a seu favor. Enquanto a atenção de todos está concentrada
no Oriente Médio, o bloco eurasiático parece na verdade a região
mais disputada e a Ásia Central permanece sendo o maior conflito
geopolítico mundial. De um lado a Rússia contém a expansão da
OTAN, continua com sua região de influência no leste europeu e no
Cáucaso, e ganha novos aliados poderosos no Meio Oriente e do outro
lado a China se expande militarmente e influência cada vez mais a
Oceania mas também a África e América Latina. Esse novo bloco
parece formar um novo tipo de divisão geopolítica depois da Guerra
Fria que se parece mais um mundo tripolar. De um lado os
Estados-Unidos e OTAN, do outro a China no Pacífico e a Rússia na
Ásia Central. Coincidentemente, esse mundo tripolar se parece
muito com as 3 super-potências de 1984 de George Orwell: Oceania
(Américas, Inglaterra, Austrália e sul da África), Eurásia
(Europa, Rússia e Turquia) e Lestásia (parte da Ásia Central e
Médio Oriente, China e Japão).
Estados-Unidos
e Rússia pareciam ter encontrado um inimigo em comum após o
atentado às Torres Gêmeas em 2001: o islamismo radical, também
presente no Cáucaso. Porém, esse foi o único ponto em que se
uniram desde então. As prioridades de Putin seguem sendo “Russia
First”: recuperação econômica e restauração da Rússia como
grande potência (militar, econômica, geopolítica…), combater o
islamismo no Cáucaso, controlar o tráfico de drogas (principalmente
o de heroína), restabelecer um novo relacionamento de segurança com
a União Europeia e OTAN. De maneira geral, Putin é bastante popular
no mundo não-ocidental e mantém alianças poderosas. Mesmo os mais
críticos a Putin às vezes são incapazes de fazer algo para parar
suas medidas como a anexação da Crimeia. Quanto a popularidade
interna Putin continua sendo o mais popular por sua vontade de
potência nacional russa e medidas que agrupam várias áreas do
espectro político: Putin tem adeptos da esquerda para a direita. Os
dados sobre a Rússia não são espetaculares e Putin e seus mais
próximos parecem criar um novo tipo de oligarquia como quando Boris
Iéltsin estava no poder, mas a oposição parece fraca e muitas
vezes silenciada. As últimas eleições mostraram que Putin ainda
não está perto de deixar o poder e seu projeto de potência avança.
Putin
continua com uma política anti-ocidental porém parece tomar um novo
tipo de procedimentos, alguns dignos de um ex-agente da KGB. De fato,
Putin é um personagem carismático que já seduziu vários setores
alternativos ocidentais que veem em Putin uma alternativa ao
“imperialismo yankee” como diria Nicolas Maduro. Enquanto Putin
tenta promover alianças estratégicas ele também influencia cada
vez mais as eleições de seus vizinhos europeus mas também dos
Estados Unidos.
De
fato, Putin parece ter aprendido que os movimentos nacionalistas são
os aliados que ele precisa no Ocidente para continuar seu projeto. O
Partido Democrata americano acaba de mandar um processo para Rússia,
Wikileaks e a campanha eleitoral de Donald Trump. Por um lado Putin
não queria ver Hillary Clinton, uma dura crítica de seu governo, no
poder e pelo outro, Donald Trump e seu discurso protecionista poderia
ser facilmente utilizado. Facebook, Twitter e Google foram ao Senado
americano explicar como milhares de “fake news” de origem
russa se espalharam durante a campanha eleitoral. O partido democrata
acusa hackers russos de roubarem os e-mails privados de Hillary
Clinton e os terem enviado para Wikileaks para serem usados contra
seu favor. Desde o início das acusações Moscou nega qualquer
envolvimento. Mesmo se isso for verdade, é inegável dizer que a
vitória de Trump também é uma vitória para Putin. Putin parece
também influenciar partidos de extrema-direita na França,
Inglaterra e principalmente no Leste Europeu como na Hungria de
Viktor Orbán. Com essa nova estratégia Putin não pretende atacar
mas apenas dividir o bastante seus concorrentes ocidentais em seus
próprios territórios para distraí-los o suficiente e poder atuar
nas regiões mais sensíveis do globo sem sanções internacionais ou
reações militares. Deste modo, cria-se uma perversão da estratégia
militar romana de “Dividir para Conquistar”.
Conclusão
Em
conclusão deste longo artigo, Vladimir Putin parece de certa maneira
seguir com uma longa tradição russa para alguns e soviética para
outros. Ele também foi capaz de criar novas tendências no que diz
respeito ao Médio Oriente, petróleo e eleições estrangeiras.
Embora a situação econômica não seja nada espetacular, a população
em geral se sente orgulhosa com seu dirigente cujo presidencialismo
inflado (e autoritário) falhou em promover instituições
transparentes e democráticas. O projeto expansionista de recuperação
contínua em um ritmo desacelerado e mais cauteloso. Uma nova
geração, porém, cansada de ver Putin no poder, nasce e a oposição
cresce cada vez mais apesar do controle da oligarquia ao redor de
Putin.
Ao
final da Guerra Fria, duas teorias geopolíticas principais vieram ao
mundo. De um lado Francis Fukuyama defendia que o final da Guerra
Fria representava o fim da História no sentido hegeliano com a
vitória suprema dos direitos humanos, valores liberais e
democráticos, o neoliberalismo e o livre-mercado. Samuel P.
Huntington, pelo contrário, dizia que esse era o fim da era das
ideologias e que os conflitos futuros seriam determinados pela
cultura e religião. A cultura em algumas áreas se tornaria então
um modo de resistência à homogeneização e ocidentalização. Ele
divide então o mundo em 9 civilizações: a chinesa, a japonesa, a
hindu, a budista, a islâmica, a ocidental, a latino-americana, a
ortodoxa e a subsaariana. Os conflitos geopolíticos hoje em dia que
as duas teorias estão incompletas. Do ponto de vista econômico, o
neoliberalismo ainda encontra algumas resistências no antigo bloco
soviético, e os valores liberais e democráticos estão ainda longe
de serem respeitados tanto no Ocidente quanto no resto do mundo. A
divisão de Huntington já é mais precisa e inclui os conflitos com o
Islamismo radical, porém negligenciou ainda as tendências
econômicas dos conflitos de hoje em dia, principalmente em relação
ao petróleo, e as tendências imperialistas do comunismo soviético
e chinês principalmente.
Respondendo à pergunta inicial que se encontra no título do artículo, Putin parece representar, ao mesmo tempo, tanto uma continuação quanto uma separação da tradição geopolítica russa. De fato, por um lado Putin sobrevive com a ajuda de uma certa nostalgia do mundo soviético enquanto parece personificar os mesmos desejos expansionistas dos tsares. Por outro, ele inagura novos métodos de apoio internacional e busca novos horizontes (Irã, Venezuela...) que seus antepassados nunca teriam sonhado. As acusações de interferência nas eleições americanas também mostram novos métodos. Resumidamente, Putin aparece como um nostálgico esperto, capaz de fazer coexistir pensamentos e métodos retrógrados (o eurasianismo e o comunismo soviético) com um novo contexto de globalização, fora do domínio ocidental clássico.
Respondendo à pergunta inicial que se encontra no título do artículo, Putin parece representar, ao mesmo tempo, tanto uma continuação quanto uma separação da tradição geopolítica russa. De fato, por um lado Putin sobrevive com a ajuda de uma certa nostalgia do mundo soviético enquanto parece personificar os mesmos desejos expansionistas dos tsares. Por outro, ele inagura novos métodos de apoio internacional e busca novos horizontes (Irã, Venezuela...) que seus antepassados nunca teriam sonhado. As acusações de interferência nas eleições americanas também mostram novos métodos. Resumidamente, Putin aparece como um nostálgico esperto, capaz de fazer coexistir pensamentos e métodos retrógrados (o eurasianismo e o comunismo soviético) com um novo contexto de globalização, fora do domínio ocidental clássico.
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