domingo, 27 de maio de 2018

Uma nova Geopolítica russa com Putin ?

Dividir e Conquistar: uma nova estratégia geopolítica Russa ?
Uma análise geopolítica russa desde o século XIII

Por Luca Szaniecki Cocco

2018 e Vladimir Putin ganha mais um mandato de seis longos anos na Rússia: uma vitória confortável com 76,66% dos votos.

Pendant le discours de Vladimir Poutine à Moscou, après sa victoire, le 18 mars.


Além do mais, sua popularidade parece ter aumentado desde 2014 já que o número de votos passou de 45,2 a 56,2 milhões nestas últimas eleições. Não foi uma enorme surpresa considerando que seu principal opositor, Boris Nemtsov, está morto desde 2015 (assassinado a tiros) e a candidatura do novo concorrente de Putin, o blogueiro e empreendedor, Alexei Navalny, foi barrada pela lei russa sob acusações de corrupção (este que começou sua carreira política na luta contra a corrupção do governo Putin). Os outros candidatos não estavam a altura: Pavel Grudinin pelo Partido Comunista (que surpreendentemente continua em segundo lugar desde o fim do Bloco Soviético) obteve apenas 11,8% das vozes, Ksenia Sobtchak (candidata liberal da televisão) com 1,67% e Grigory Yavlinsky (candidato “democrata”) com 1,04%.

De certa forma, essa eleição não mostrou nada de muito novo para Putin que destrói calculadamente qualquer forma de oposição desde que chegou ao poder em 1999 com a saída de Boris Yeltsin. Um evento pouco divulgado na Rússia por exemplo é que, ao mesmo tempo em que Putin era “coroado” presidente pela primeira vez, sua força policial atacava um café muito frequentado pela oposição. Porém, temos que notar alguns fatores muito importantes dessas eleições. Primeiro, o crescimento do PIB russo em 2017 foi mais ou menos de 1,8%, o que parece mostrar que sua economia está se recuperando depois da recessão de 2014 com a queda dos preços do petróleo, porém ainda é muito dependente dos hidrocarbonetos e a renda nacional bruta por habitante está em queda desde 2013. 19,8 milhões de russos vivem abaixo da linha da pobreza. Esses dados podem gerar questionamentos sobre como Putin consegue permanecer tão popular entre a população. Mas, não se pode esquecer dos últimos eventos que tem marcado a geopolítica russa desde 2014, com a anexação da Crimeia. De fato, a anexação parece ter revivido um orgulho russo esquecido desde 1991 (queda da União Soviética) e se tornou uma peça chave para as eleições de Putin de 2018. A aprovação eleitoral de Putin nesse antigo território Ucraniano foi de 90% e Moscou registrou uma participação eleitoral de “mais de 98%” entre os militares. Também é preciso notar que o recente evento do envenenamento de um ex-espião russo na Inglaterra pode ter, de fato, ajudado Putin a consolidar o perfil anti-ocidental entre os eleitores mais nacionalistas.

Mesmo com todas as controvérsias desta eleição, de uma oposição interna (principalmente entre os jovens) e externa (ocidental pelo menos) cada vez mais potente, Putin parece continuar firme em seu projeto de potência. Aqui estudaremos como Putin parece seguir uma certa tendência histórica na tradição política e geopolítica russa que pode ser a origem de sua popularidade e como ele parece inaugurar uma nova fase da geopolítica russa com novas estratégias. Faremos primeiro uma introdução à chamada “tradição geopolítica russa” desde o século XIII, para depois passarmos a transição do Bloco Soviético ao governo de Putin e, enfim, o que parece ser o inauguramento de uma nova fase da potência russa.



I) Introdução à geopolítica russa desde o Século XIII, notadamente com o “Grande Jogo”.



Em seu artigo publicado na Revista Militar, Eduardo Eugênio Silvestre dos Santos divide a História da Ásia Central em 5 períodos principais: o pré-islâmico, o islâmico, o mongol, o século XVI ao XIX e o russo-soviético. Nos interessaremos principalmente nos últimos 3 pois são onde a influência russa é a mais essencial e que ainda possuem resquícios nas geopolíticas atuais envolvendo a região.

Até antes do século XIII, a Rússia era um território imenso e dividido constantemente atacado e saqueado por povos nômades do oeste asiático. Porém, a experiência realmente traumatizante e cuja sombra, por incrível que pareça, ainda se faz sentida na Rússia de hoje, é a grande conquista de Genghis Khan (1162-1227). De fato, após a conquista continental do “Lobo Cinzento”, o território hoje conhecido como Rússia passou por mais de 250 anos de dominação e opressão mongol. Após a morte de Genghis, a Rússia foi dividida arbitrariamente em um sistema autoritário e descentralizado de vários “Khanatos” ou “Canatos” cujos nomes ainda ressoam hoje em dia: o canato da Horda Dourada (o mais duradouro), o canato de Kazan, Astrakan e da Crimeia. Por mais longínquo que esses eventos pareçam, eles podem explicar grande parte da tendência xenofóbica e de política externa agressiva russa desde então.

George Kennan, figura central da Guerra Fria no mundo diplomático e figura chave da doutrina Truman (plano de contenção da União Soviética, que também estudou a relação histórica da Rússia com o Ocidente escreveu: “A cautela e a flexibilidade soviéticas são atitudes solidificadas nas lições da história russa: séculos de batalhas entre forças nômades na vastidão de planícies desprotegidas”.

O século XV pode ser considerado o começo da história geopolítica russa como tal. De fato, esse século marcou o começo da conquista russa que se estendeu até o século XVII. Esta conquista começou com o Grão-Príncipe de Moscou, Ivan III, o Grande, que decidiu acabar com o sistema de Canatos no território russo. Na época, a Rússia continuava dividida em 3 territórios: um território ao sudoeste sob dominação polaca, a Horda Dourada e o território nordeste, que incluía Moscou e que pagava tributos a Horda. Ivan III foi então o responsável pela conquista dos territórios da Horda, que então se diminuiu e se dividiu: grande parte fazia agora parte do Império Russo mas uma minoria (mas estratégica) ainda era independente: era o caso do Canato da Crimeia. Pudemos ver que essa cobiça russa pela Crimeia data desse período pois a Crimeia foi durante muito tempo um território que resistiu a nova dominação russa (o canato da Crimeia resistiu até a Revolução Francesa, por exemplo).

Passemos então para a terceira fase geopolítica determinada por Eduardo Eugênio Silvestre dos Santos: do século XVII ao XIX. De fato, após Ivan III, a Rússia só expandiu em todas as direções, conquistando antigos canatos mas também novos territórios da Ásia Central. Porém, o Canato da Crimeia continuava independente e era o último resquício do domínio mongol do território russo depois de Ivan IV, o Terrível. O século XVII é então marcado por uma enorme conquista imperial liderada por Pedro I, o Grande, que proclamou o Império em 1721. No séculos XVII e XVIII, o principal objetivo territorial russo é expandir para o sul, até chegar à Índia britânica, e para o sudeste, para Constantinopla, que era um ponto extremamente estratégico.

O final do século XVIII e o começo do século XIX marca o começo de uma fase que, para muitos, é considerada um dos maiores conflitos geopolíticos da história: “o Grande Jogo”. Como visto antes, a Rússia continuava com suas cobiças imperiais e chegava cada vez mais perto de seus objetivos: Constantinopla e Índia. Catarina II, a Grande, conquistou pela primeira vez a Crimeia no final do século XVIII, o que simbolizava um novo período do Império. Em 1801 e 1804, Geórgia e Armênia respectivamente são conquistadas. Porém, a Rússia encara um inesperado rival imperialista na Ásia Central: a Inglaterra. Essa rivalidade foi descrita por Arthur Conolly (militar britânico) como o “Grande Jogo”.

Por mais que não se estude muito na escola esse conflito, o Grande Jogo foi grande determinador dos países da Ásia Central e tem grandes influências na geopolítica de hoje. Um exemplo é o Afeganistão. Enquanto a Rússia continuava sua expansão no século XIX, a Inglaterra temia por sua principal colônia na Índia. O Afeganistão era então um pequeno país entre essas duas enormes potências. Inglaterra então invadiu o território antes da Rússia entre 1839 e 1842 (a primeira guerra Anglo-Afegã) e impôs um “estado tampão” extremamente instável com o objetivo de impedir a expansão russa. Outro evento importante foi a Guerra da Crimeia de 1853-1856. A Crimeia, após a breve conquista de Catarina, havia obtido novamente uma certa independência. A Rússia não demorou muito para invadir novamente o território, não só para reconquistar esse território cobiçado a anos, mas também para se aproximar do Mar Negro e, logo, de Constantinopla. O Ocidente (Inglaterra, França e Sardenha) se aliou então ao Império Otomano para impedir essa expansão prevista do czar Nicolau I.

O ministro das relações exteriores russo de 1864 resume muito bem a lógica russa durante o Grande Jogo: “A posição da Rússia na Ásia Central é idêntica a de todos os estados civilizados que entram em contato com população nômade e selvagem, que não possuem uma organização social estável”. Nesse caso, a Rússia se considera um Império Civilizado e, assim como o Ocidente colonizou as Américas, ela tem o direito de colonizar seus vizinhos. Historicamente, essa colonização também é uma espécie de “vingança” por todos os ataques desses antigos povos nômades ao território russo.

A guerra entre Japão e Rússia de 1904, a primeira grande guerra do século XX, continuou nessa tendência. De fato, ao ver a expansão ao leste, o Japão resolveu atacar primeiro o território da Manchúria. O Japão sempre teve uma tradição militar importante e uma frota poderosa, apesar de várias crises econômicas. A frota marítima russa era ínfima e pouco desenvolvida. A Rússia passou então por muitas dificuldades (inclusive revoltas de operários em 1905, como a famosa revolta do encouraçado Potemkin) e acabou sofrendo uma derrota colossal. Mesmo vitorioso, o Japão não permaneceu com a Manchúria que, após um acordo de paz, ficou com a China (o Japão atacará novamente este território na Segunda Guerra Mundial).

Enfim, essa enorme fase de prosperidade territorial e orgulho nacionalista imperial que durava desde o século XVII sob a forte dominação dos “czares”, parece estar tomando um fim. De fato, a guerra com o Japão teve grandes consequências socioeconômicas na Rússia que, junto com a Primeira Guerra Mundial, levou a Revolução Russa de 1917. Não tratarei muito o aspecto ideológico/político que essa Revolução trouxe por que tentarei continuar concentrado nas estratégias geopolíticas.

A União Soviética definida por Lenin, e depois Stalin, mudou as fronteiras: as repúblicas soviéticas não eram territórios dividido pela religião ou pela cultura (a Rússia sempre reivindicou ser a defensora do cristianismo oriental e ortodoxo). Mas sua enorme extensão não diminuiu. Ainda mais, no plano geopolítico, a União Soviética não parece divergir da estratégia imperial do século XIX: o Grande Jogo pela Ásia Central continuou (o exemplo da Guerra do Afeganistão de 1979).

Porém, o século XX, além de perdurar o Grande Jogo pela Ásia Central, somou, graças a Guerra Fria com os Estados Unidos, o conflito pelo Meio Oriente e o Mar Cáspio (maior reserva inexplorada de combustíveis fosseis do mundo). De todo modo, a União Soviética, assim como o Império czarista e o governo Putin tem uma tendência imperialista, de totalidade, que depende de um território “vital” da Ásia Central. Essa tendência se resume a doutrina Brejnev que justifica a intervenção militar central nos outros Estados Satélites comunistas. Junto com o Pacto de Varsóvia, e um controle totalitário da população (inclusive graças ao Gulag), a União Soviética foi capaz de manter seu enorme Império.

Além disso, é preciso conhecer alguns dados da URSS: em 1917 o seu território somava 14 repúblicas soviéticas (algumas foram anexadas após o acordo Ribbentrop-Molotov), com 22 milhões de kilômetros quadrados e 60 nacionalidades oficialmente reconhecidas.

Agora é preciso introduzir uma noção essencial para entender a posição Soviética na Guerra Fria, que Eduardo Eugênio Silvestre dos Santos chama de “eurasianismo”. Essa noção, claramente adotada não só por Stalin e Lenin, mas também a figura do czar, afirma a Rússia como um continente, que não pode ser resumida a Ocidente ou Oriente pois possui características dos dois e próprias. Após 1917, a luta interna do comunismo é a indivisibilidade da região: integridade geográfica, econômica e étnica eurasiática. O eurasianismo é a encarnação da teoria “terrestre” dos conflitos geopolíticos que defende que as nações marítimas e terrestres estão destinadas aos conflitos (conferir a teoria do Heartland de Halford John Mackinder). Para Alexander Dugin, teórico e conselheiro político do Kremlin (e fascista), o mundo foi dividido (mesmo após a Guerra Fria) no Atlantismo dos Estados-Unidos e Reino Unido (primado da economia sobre a política, o individualismo, liberalismo, democracia protestante) e no Eurasianismo (autoritarismo, hierarquia política, comunitarismo). Essa questão foi posta desde o começo da Revolução com as divergências intelectuais entre Stalin e Trotsky. De fato, Trotsky defendia que a Revolução deveria se espalhar pelo mundo, seguindo a teoria marxista enquanto Lenin e Stalin preferiram permanecer no domínio asiático. De certa forma, Trotsky foi o mais marxista ao pensar sobre a “mundialização” da revolução proletária. A doutrina eurasiática sobrevive ainda no mundo político russo desde o fim da Guerra Fria. Citado antes, Alexander Dugin fundou em 2002, com o apoio de Putin mas também de outros partidos, inclusive o comunista, o Partido Eurasiático. Voltaremos em breve a essa doutrina que parece ter crescido na URSS.

Após a Segunda Guerra Mundial, a URSS se viu levar ao ramo de potência: sua participação essencial na guerra lhe permitiu um posto permanente no Conselho de Segurança da ONU, inclusive. George Kennan, mencionado anteriormente, acreditava no conceito que a URSS era uma potência com uma determinação, uma necessidade, histórica e geográfica de se expandir. Assim, a URSS controlava suas repúblicas com mão de ferro e não hesitava em invadir novos territórios como o Afeganistão (embora tenha sido um enorme fracasso). Essa política imperialista e autoritária, que para os bolcheviques era a “ditadura do proletariado”, e para críticos, como Boris Souvarine, um “capitalismo de Estado” ou um “totalitarismo”, de escalas jamais vistas (inclusive durante a Rússia czarista), durou até os anos 80. Antes disso, Nikita Khrushchev havia tentado pôr a culpa dos milhões de mortes do regime stalinista no próprio Stalin (em seu discurso secreto de 1956) invés de culpar o próprio sistema. Os anos 80 marcam enfim a derrocada do regime que não conseguia mais se sustentar, nem com seu controle mais absoluto da população. Foi um problema essencialmente econômico e militar (a guerra do Afeganistão havia custado caro) mas também um problema impregnado na própria lógica soviética. A URSS havia chegado ao seu fim, não por causa de uma guerra com uma potência estrangeira (Estados-Unidos) mas por por causa dela mesma, de suas contradições filosóficas, assim como Camus havia previsto já em 1951 (data de publicação do Homem Revoltado).

Gorbachev, o último homem no poder do Partido Comunista nos anos 80, tentou salvar a URSS, a beira da catástrofe econômica e cujo poderio militar e político também parecia fora de controle. Sua Glasnost e Perestroica (dois planos que pretendiam mudar o sistema econômico e político) também fracassaram e a queda do muro de Berlim foi o golpe final. A URSS já havia caído em 1989 (a queda do muro e a Revolução de Veludo na Checoslováquia)  embora só tenha oficialmente desaparecido em 1991. é preciso falar sobre um evento que envolve uma das figuras das quais falaremos em breve: Putin. Em 1989, Vladimir Putin ainda era um agente da KGB (polícia secreta soviética) e se encontrava no departamento desta organização de Dresda, Alemanha oriental quando o Muro caiu e manifestantes resolveram protestar em frente ao prédio. Diante da provável abordagem violenta, Putin tomou o controle da situação e esse foi um momento dramático e importante para a formação de Putin segundo Julia Ioffe (jornalista e responsável por uma biografia de Putin). De fato, ao se deparar diante de uma multidão de manifestantes, Putin resolveu queimar o máximo possível de arquivos da KGB na fornalha do prédio antes de se dirigir à população avisando que haviam soldados armados dentro do prédio e que era melhor para todos que se retirassem. Muito mais tarde, Putin lamentará a queda da URSS como: “a maior catástrofe geopolítica do século” passado.

Ao final da URSS, a Rússia se depara com nenhuma forma de cultura democrática aparente desde o século XII. Essa tradição, porém, não significa nem justifica nada. A História mostrou que muitos países sem tradição democrática podem desenvolver seus próprios governos não autoritários e muitos governos que se diziam democráticos praticaram o imperialismo assim como a Rússia e a URSS, como a Inglaterra.

Enfim, antes de passar para a próxima parte deste artigo, é preciso fazer alguns comentários importantes. Nesta parte analisamos como a história da Rússia desde o século XII e suas “tradições geopolíticas” e como evoluíram. Por um lado a tradição czarista da reconquista e de cobiças territoriais no “Grande Jogo” e do outro o comunismo autoritário que marcou o século XX e que permanece influente até hoje em dia. Agora faremos uma breve, mas importante, crítica dessa visão da Rússia, muito expandida no mundo ocidental, com apoio nas ideias de Alexander Solietsin. Este último é uma figura bastante particular da Guerra Fria: era um marxista afinco no início da sua vida, serviu no Exército Vermelho mas acabou sendo preso e exilado por insultar Stalin em cartas privadas (sim a polícia podia ler cartas privadas). Ele então se tornou um dos maiores críticos do comunismo soviético e escreveu muitos livros nos Estados Unidos, principalmente retratando a realidade dos Gulags. Sua crítica a visão da Rússia que estudamos até esse ponto é que essa visão seria, para ele, racista. O Ocidente atribuindo o que acontece na Rússia do ponto de vista político à uma tradição autoritária é, não somente equivocada, mas tira a atenção do verdadeiro inimigo que o Ocidente teme em enfrentar: a URSS. De fato, a primeira frase de seu livro “O Erro do Ocidente” é: “ Os erros fatais do Ocidente em seu comportamento quanto ao comunismo começaram em 1918, quando os governos ocidentais não viram o perigo mortal que ele representava para eles”. O autoritarismo russo dos últimos tempos não seria então uma consequência de uma tradição que data do czarismo conquistador mas sim da tirania soviética e suas cicatrizes. Nacionalismo russo e imperialismo soviético seriam contraditórios por natureza pois o comunismo, tal como era, era anti-nacional e só precisava expandir oprimindo os povos que encontrava. Soljenitsin criticava a concepção que o povo russo era o dominante e colonizador do regime pois, por princípio, ele foi o povo onde seu nacionalismo mais foi atacado e criminalizado. Os propósitos de Soljenitsin foram bem polêmicos no Ocidente pois defendia um forte nacionalismo (que às vezes beirava o autoritarismo) que, por exemplo, explicaria o seu apoio à Putin até sua morte em 2008. Ele não foi capaz, porém, de ver além das cobiças nacionalistas puramente russas de Putin e ver suas tendências datadas da União Soviética.

Concordando ou não com a teoria (polêmica) de Soljenitsin, o czarismo pode criado uma tendência autoritária, mas que aumentou exponencialmente no período soviético, pela própria natureza do comunismo segundo Soljenitsin ou por simples continuidade totalitária. chegamos finalmente a fase de transição do Bloco Soviético à Federação Russa, fase essencial para entender a situação Russa e a ascensão política de Putin.








II)A transição do Bloco Soviético à Federação Russa.



Os anos 80 marcam o fim de um Império, dessa vez não nacionalista e monárquico como no czarismo mas ideológico e governado por uma oligarquia partidária. Após anos de relativo progresso econômico, baseado principalmente na industrialização (mas enorme fracasso humanitário com milhões de mortos pela fome e pela opressão), era o começo do declínio no nível de vida, ineficiência do setor agrícola (depois de anos de concentração forçada dos camponeses nos kolkhozes), escassez de alimentos, baixa produtividade da indústria e enormes despesas na Segurança e na Defesa (principalmente durante a guerra do Afeganistão em 1979). O Partido Comunista, o Politburo para ser mais preciso, passava então por uma grave crise estrutural e via que estavam perdendo o controle de seus territórios cada vez mais turbulentos e difíceis de oprimir. Ao escolherem  Mikhail Gorbachev para ser seu novo dirigente em 1985, eles já pretendiam tentar mudar a situação. Gorbachev queria salvar o sistema de estagnação, miséria e corrupção ao renunciar a doutrina Brejnev (o que dava mais liberdade aos países satélites) e reformas econômicas como a Perestroika, que reduzia o gasto em Defesa (prioridade soviética desde a Segunda Guerra Mundial) e o começo de uma liberalização dos mercados, e políticas como a Glasnost que representava uma abertura das liberdades individuais até então reprimidas e controladas.

As reformas não foram suficientes a URSS desapareceu oficialmente em 1991 com uma derrota política, social e econômica. Os primeiros anos da transição da União Soviética para a Federação Russa foram marcados por uma grave crise financeira com um baixo PIB por habitante, população com alta taxa de mortalidade e emigração para fora do pais (como o êxodo da Alemanha Oriental para a parte Ocidental) e grandes dívidas externas. Do ponto de vista geopolítico e político, a Rússia se retraiu geograficamente com a independência de várias antigas repúblicas soviéticas e perdeu aliados e tratados internacionais. O espectro político russo se dividia novamente entre os internacionalistas liberais que acreditavam que os valores ocidentais do pluralismo e da democracia são aplicáveis na Rússia, mesmo sem nenhuma tradição democrática, e os “eurasianismo” derivados da União Soviética, com linhas ideológicas mais patrióticas e sua crença na Rússia como um estado não pertencente ao Ocidente nem ao Oriente. O que é interessante é que essa última tendência parece reconciliar teorias a princípio contraditórias como o comunismo com religião ortodoxa  e fundamentalismo nacionalista e, com isso, consegue conquistar adeptos de todo o espectro político. O partido eurasianista, como dito antes, foi fundado por Alexander Dugin em 2002 (com a ajuda de Putin) e este influencia diversos partidos maiores como o Partido Comunista (segundo maior do país) com Guennadi Ziuganov, o ex-primeiro ministro Yevgeny Primakov (também ex-agente da KGB), e o ultra-nacionalista Vladimir Zhirinovsky, sem contar Vladimir Putin.

A particularidade deste último é que ele foi capaz de conciliar a teoria eurasianista, já bastante ampla, com a teoria mais liberal no sentido mais econômico. Esta abertura da economia, que já havia começado com a Perestroika em uma ínfima escala, continuou sob Boris Iéltsin, primeiro presidente depois da queda da União Soviética. O governo de Iéltsin nasceu de grandes expectativas, este era reconhecido por sua corajosa oposição durante a URSS, mas sem grandes efeitos. Seu governo foi considerado um desastre por suas reformas econômicas insuficientes e fracas e principalmente um governo extremamente corrupto (sem contar os constrangimentos causados pelo seus casos de alcoolismo). Vladimir Putin, então político em plena ascensão, se aproveitou do momento para aumentar sua popularidade. Rapidamente escalou sua carreira política até o posto de Primeiro-Ministro, e quando Boris Iéltsin renunciou, tomou posse.

Assim começa uma nova fase para a Rússia, depois de anos turbulentos do fim da União Soviética para a complicada formação da Federação Russa com Vladimir Putin.




III) Putin e uma nova fase da potência russa ?



Putin, como dito anteriormente, considera o fim da União Soviética como o maior desastre geopolítico do século XX. Embora nunca tenha dito oficialmente, também podemos concluir que o período de transição da URSS para a Federação Russa sob Boris Iéltsin foi provavelmente algo humilhante para Putin também. Ele via um império ruir sob o desastre econômico e político. Putin mal chegara no posto de Primeiro-Ministro quando liderou a ofensiva russa na Chechênia em 1999. Esse foi um importante marco político e militar para Putin e para o novo começo da potência Russa e por isso temos de explicá-lo.

O território hoje conhecido por Chechênia foi um território sob a dominação soviética sempre bem complexo devido a presença de chechenos, russos e o povo cossaco, além de possuir uma influência islâmica bastante forte (origem de um conflito em 1859 com a Rússia czarista). Durante Stálin, foram deportados dezenas de milhares de chechenos por terem supostamente ajudado o invasor alemão (apesar de 40 mil soldados chechenos terem lutado contra os nazistas no Exército Vermelho) e só puderam voltar 1957. Quando a União Soviética caiu, os chechenos não pensaram duas vezes para declarar sua independência diante da Rússia ainda em 1991. Em 1994 e 1996 a primeira guerra da Chechênia se tornou realidade quando tropas russas tentaram tomar o controle da região. A guerra, mesmo com poder bélico superior da Rússia, foi vencida pela Chechênia graças às táticas de guerrilha de grupos armados nas regiões mais montanhosas (muito parecido com a derrota dos Estados Unidos no Vietnã. A derrota fora um elemento muito desmoralizador, principalmente do exército russo.

A primeira guerra da Chechênia, porém, não foi esquecida pela população chechena que, apesar da vitória, viu mais de 50 mil civis mortos e 800 mil tiveram que abandonar suas casas.  Em 1999, após uma série de atentados chechenos nas províncias do Daguestão, da Ossétia do Sul e na própria Rússia, esta deve intervir mais uma vez no território (embora alguns dizem que o próprio Putin explodiu prédios para poder declarar a guerra). Essa foi a oportunidade de Putin, então Primeiro-Ministro, de obter uma vitória que lhe havia sido tirada em 1996. Uma rápida “vitória” assegurou a popularidade de Putin (76% da população russa apoiava a intervenção). Nos anos 2000, a Rússia já considerava o conflito acabado mas alguns grupos “terroristas” ainda atuam nas regiões mais montanhosas (acredita-se que sejam apoiados pelo Al-Qaeda também). Com esse conflito, Putin assegurou sua vitória nas eleições presidenciais de 2000.

A partir de então, o Ocidente começou a entender as prioridades de Putin. Este popular e carismático ex-agente da KGB tinha prioridades a princípio nacionais, para a reconstrução do país e do status de grande potência da Rússia. Porém, para reviver essa potência, Putin também precisava manter um papel importante nas ex-repúblicas e impedir a expansão da OTAN liderada pelos Estados-Unidos nas suas tradicionais áreas de influência. Por essa razão, por exemplo, as relações da Rússia com a Geórgia se intensificaram quando a OTAN tentou integrar este último país (que também havia apoiado a separatistas chechenos na guerra) ou quando a Rússia condenou a instalação de mísseis balísticos de intercepção na Polônia em 2008. Aliás, nesse ano (2018), a Polônia adquiriu a maior compra de armas de sua História com os Estados-Unidos (mediado pela OTAN), somando 4,75 bilhões de dólares, sob a justificativa da “ameaça russa”.



No Grande Cáucaso, Putin permanece com suas políticas e estratégias para destruir os movimentos autonomistas, separatistas e também islamitas na Chechênia, Daguestão, Ossétia do Norte e do Sul, Inguchétia e Abkházia. A Geórgia também foi alvo de conflitos com a Rússia em 2008 quando Putin interveio para enfrentar movimentos separatistas da Ossétia do Sul e Abecásia. Essa guerra é também conhecida como a Guerra dos Cinco dias por causa da forte reação e destruição russa. Mesmo se um acordo foi assinado, tropas russas ainda se encontram nas províncias “rebeldes”.

Mas até esses conflitos, Putin apenas parece querer reviver a glória soviética nas suas antigas repúblicas. Não parece haver algo original nisso. Desta vez a grandeza não se encontrará no profecia dialética da História mas a vitória será encontrada na geografia, no espaço e não no tempo. Porém, Putin também parece expandir suas estratégias em novos territórios frágeis e até mesmo no Ocidente.

De fato, Putin parece se interessar cada vez mais pelo Meio Oriente, por exemplo. Hoje em dia é o aliado mais poderoso de Bashar-Al-Assad na Síria e o ajuda a combater rebeldes e curdos no território. A Rússia também se aliou com o Irã para tentar contrapor a influência americana no Mar Cáspio e trocam cada vez mais armas. Ainda mais, Putin é bastante aliado de Netanyahu,primeiro ministro de Israel, principal oponente do Irã (como mostram os recentes ataques de mísseis israelenses). Aliás, o Catar foi “boicotado” pela Arábia Saudita justamente por essa aliança (Catar, sunita, troca cada vez mais petróleo com o Irã, xiita e principal oponente “ideológico” da Arábia). A Turquia, também controlada por um presidente “forte” como Putin, representaria um concorrente de influência na Ásia Central e por isso Rússia tenta cada vez se aproximar de Erdogan para evitar potenciais conflitos (inclusive com oleodutos), mesmo estando em lados opostos na guerra da Síria.

O Cáucaso continua uma região extremamente frágil devido a suas reservas de petróleo (até Hitler havia percebido sua importância quando decidiu atacar o território soviético para poder ter acesso a esse território). Graças a esse petróleo e ao gás natural, Putin também desenvolveu uma nova estratégia política, digna dos romanos. A União Soviética já havia começado a perceber as possíveis vantagens de seus recursos energéticos e Putin já as entende muito bem. Desde 1999, aproveitando a crise no Kosovo, Putin reforçou o controle dos oleodutos. Hoje em dia, é o principal fornecedor de gás natural para a Europa. Sua aliança com o Irã permitiu uma expansão de seus oleodutos principais para a região do Oriente Médio. A importância do controle desses dutos é que, para poder evitar conflitos, Moscou ameaça o fechamento desses dutos. Essa estratégia foi por exemplo, usada durante a anexação da Crimeia em 2014, da qual falaremos adiante. Gasodutos importantes como o Nord Stream I e II e o Turkish Stream são hoje de extrema importância para a Rússia e toda a região que se estende da Europa Ocidental até a Ásia Central. A Rússia desenvolveu grandes aliados não-ocidentais com a ajuda desses recursos energéticos como China, Turquia, Irã e Catar.



A anexação da Crimeia em 2014 chocou o mundo por sua rapidez e violência. A Ucrânia sempre foi um território essencial da União Soviética por causa de seus fortes recursos agrícolas: era a principal fonte de alimento de todo o território. Por isso Stalin entendeu que sua população deveria ser extremamente mais controlada que a média para que não tenham a possibilidade de se revoltar contra o sistema. Desse modo foi organizado o “Holodomor”, ou genocídio ucraniano, onde milhões de ucranianos morreram de fome entre 1932 e 1933 (números variam entre 3 a 20 milhões). Após a queda da URSS, a Ucrânia foi alvo de uma forte polarização política, assim como na Rússia, entre os pró-russos e os pró-americanos ou pro-Europa. Tanto Estados-Unidos quanto Rússia perceberam a importância desse território e influenciaram políticos dos dois lados. 

Em 2012, o presidente Viktor Yanukovich é reeleito na Ucrânia. Fazendo-se mostrar pro-Rússia, este recusou um acordo com a União Europeia de ajuda financeira para aceitar o acordo russo (os dois propuseram uma soma de 15 bilhões de dólares porém Putin também havia oferecido uma redução no preço do gás). A decisão seguiu de uma forte oposição no Parlamento a na população que decidiu ir às ruas. A multidão do nascente movimento EuroMaidan havia escolhido a União Europeia e não a Putin. Os protestos foram extremamente violentos entre as forças da ordem e a multidão pró-europeia. O movimento fez com que o presidente, também acusado de corrupção, fosse exilado para a Rússia e renunciasse em 2014. Moscou considerou o movimento um Golpe de Estado e mobilizou 7 milhões de russófonos e separatistas ucranianos (que eram financiados desde o fim da União Soviética). Com o apoio forte no território da Crimeia (antigo kanato), o Parlamento Russo aprovou a intervenção militar para a “proteção dos russófonos” da região. Com o caminho livre da reação militar ocidental por causa dos gasodutos, a Rússia anexou o território da Crimeia.  A estratégia de Putin foi digna das cidades-estados da Itália que, como Maquiavel conta, bloqueavam os rios para deixarem as cidades inimigas sem água. Com medo dessa mesma retaliação, a União Europeia não ousou reagir militarmente mas, junto com os Estados-Unidos, impôs várias sanções. A Rússia foi expulsa do G8, dirigentes russos foram proibidos de entrar em diversos países, a retenção de ativos financeiros e uma maior presença militar na Turquia (que é aliada dos Estados-Unidos igualmente), Polônia e Romênia. Apesar das sanções, a operação foi uma vitória pois agora a Ucrânia permanece frágil, o movimento disperso, a anexação é de grande popularidade tanto na Rússia quanto na Crimeia e a anexação inspirou outros movimentos do leste ucraniano como nas províncias de Donetsk e Lugansk, também majoritariamente russófonos.





Vimos então como a Rússia de Putin continua com algumas de suas tradições geopolíticas do século passado mas também desenvolve novas estratégias ligadas ao petróleo e novos aliados. O outro aliado mais poderoso de Putin está sendo a China. Embora tenha se posicionado várias vezes contra as decisões da Rússia (inclusive na anexação da Crimeia) Putin e Xi Jinping possuem uma relação cada vez mais estável  e poderosa, inclusive no ramo do petróleo. A China por sua vez, se distanciou da União Soviética depois da crise de Cuba em 1962 por que a retirada soviética representava uma derrota e Mao Tse-Tung pretendia ser o novo líder do bloco comunista. URSS e China chegaram até a ter alguns pequenos conflitos pouco conhecidos em suas fronteiras. Para ser mais preciso, haviam mais de 800 000 russos e 600 000 chineses vigiando a fronteira. Hoje em dia, Putin e Xi Jinping (atual dirigente chinês) tem mais em comum do que diferenças na maneira na qual dirigem seus respectivos países e suas relações exteriores. Assim como a Rússia na Ásia Central ou no Cáucaso, a China também possui uma estratégia de expansão imperialista nas ilhas do Pacífico, nos países da antiga Indochina (Camboja, Vietnã, Laos, etc), e nos países que não reconhece a independência (Taiwan, Tibete). A Austrália, assim como a Polônia, aumenta cada vez mais suas despesas militares e já acusou a China de subornar políticos para agirem a seu favor. Enquanto a atenção de todos está concentrada no Oriente Médio, o bloco eurasiático parece na verdade a região mais disputada e a Ásia Central permanece sendo o maior conflito geopolítico mundial. De um lado a Rússia contém a expansão da OTAN, continua com sua região de influência no leste europeu e no Cáucaso, e ganha novos aliados poderosos no Meio Oriente e do outro lado a China se expande militarmente e influência cada vez mais a Oceania mas também a África e América Latina. Esse novo bloco parece formar um novo tipo de divisão geopolítica depois da Guerra Fria que se parece mais um mundo tripolar. De um lado os Estados-Unidos e OTAN, do outro a China no Pacífico e a Rússia na Ásia Central.  Coincidentemente, esse mundo tripolar se parece muito com as 3 super-potências de 1984 de George Orwell: Oceania (Américas, Inglaterra, Austrália e sul da África), Eurásia (Europa, Rússia e Turquia) e Lestásia (parte da Ásia Central e Médio Oriente, China e Japão).

Estados-Unidos e Rússia pareciam ter encontrado um inimigo em comum após o atentado às Torres Gêmeas em 2001: o islamismo radical, também presente no Cáucaso. Porém, esse foi o único ponto em que se uniram desde então. As prioridades de Putin seguem sendo “Russia First”: recuperação econômica e restauração da Rússia como grande potência (militar, econômica, geopolítica…), combater o islamismo no Cáucaso, controlar o tráfico de drogas (principalmente o de heroína), restabelecer um novo relacionamento de segurança com a União Europeia e OTAN. De maneira geral, Putin é bastante popular no mundo não-ocidental e mantém alianças poderosas. Mesmo os mais críticos a Putin às vezes são incapazes de fazer algo para parar suas medidas como a anexação da Crimeia. Quanto a popularidade interna Putin continua sendo o mais popular por sua vontade de potência nacional russa e medidas que agrupam várias áreas do espectro político: Putin tem adeptos da esquerda para a direita. Os dados sobre a Rússia não são espetaculares e Putin e seus mais próximos parecem criar um novo tipo de oligarquia como quando Boris Iéltsin estava no poder, mas a oposição parece fraca e muitas vezes silenciada. As últimas eleições mostraram que Putin ainda não está perto de deixar o poder e seu projeto de potência avança.

Putin continua com uma política anti-ocidental porém parece tomar um novo tipo de procedimentos, alguns dignos de um ex-agente da KGB. De fato, Putin é um personagem carismático que já seduziu vários setores alternativos ocidentais que veem em Putin uma alternativa ao “imperialismo yankee” como diria Nicolas Maduro. Enquanto Putin tenta promover alianças estratégicas ele também influencia cada vez mais as eleições de seus vizinhos europeus mas também dos Estados Unidos.

De fato, Putin parece ter aprendido que os movimentos nacionalistas são os aliados que ele precisa no Ocidente para continuar seu projeto. O Partido Democrata americano acaba de mandar um processo para Rússia, Wikileaks e a campanha eleitoral de Donald Trump. Por um lado Putin não queria ver Hillary Clinton, uma dura crítica de seu governo, no poder e pelo outro, Donald Trump e seu discurso protecionista poderia ser facilmente utilizado. Facebook, Twitter e Google foram ao Senado americano explicar como milhares de “fake news”  de origem russa se espalharam durante a campanha eleitoral. O partido democrata acusa hackers russos de roubarem os e-mails privados de Hillary Clinton e os terem enviado para Wikileaks para serem usados contra seu favor. Desde o início das acusações Moscou nega qualquer envolvimento. Mesmo se isso for verdade, é inegável dizer que a vitória de Trump também é uma vitória para Putin. Putin parece também influenciar partidos de extrema-direita na França, Inglaterra e principalmente no Leste Europeu como na Hungria de Viktor Orbán. Com essa nova estratégia Putin não pretende atacar mas apenas dividir o bastante seus concorrentes ocidentais em seus próprios territórios para distraí-los o suficiente e poder atuar nas regiões mais sensíveis do globo sem sanções internacionais ou reações militares. Deste modo, cria-se uma perversão da estratégia militar romana de “Dividir para Conquistar”.

Conclusão

Em conclusão deste longo artigo, Vladimir Putin parece de certa maneira seguir com uma longa tradição russa para alguns e soviética para outros. Ele também foi capaz de criar novas tendências no que diz respeito ao Médio Oriente, petróleo e eleições estrangeiras. Embora a situação econômica não seja nada espetacular, a população em geral se sente orgulhosa com seu dirigente cujo presidencialismo inflado (e autoritário) falhou em promover instituições transparentes e democráticas. O projeto expansionista de recuperação contínua em um ritmo desacelerado e mais cauteloso. Uma nova geração, porém, cansada de ver Putin no poder, nasce e a oposição cresce cada vez mais apesar do controle da oligarquia ao redor de Putin.

Ao final da Guerra Fria, duas teorias geopolíticas principais vieram ao mundo. De um lado Francis Fukuyama defendia que o final da Guerra Fria representava o fim da História no sentido hegeliano com a vitória suprema dos direitos humanos, valores liberais e democráticos, o neoliberalismo e o livre-mercado. Samuel P. Huntington, pelo contrário, dizia que esse era o fim da era das ideologias e que os conflitos futuros seriam determinados pela cultura e religião. A cultura em algumas áreas se tornaria então um modo de resistência à homogeneização e ocidentalização. Ele divide então o mundo em 9 civilizações: a chinesa, a japonesa, a hindu, a budista, a islâmica, a ocidental, a latino-americana, a ortodoxa e a subsaariana. Os conflitos geopolíticos hoje em dia que as duas teorias estão incompletas. Do ponto de vista econômico, o neoliberalismo ainda encontra algumas resistências no antigo bloco soviético, e os valores liberais e democráticos estão ainda longe de serem respeitados tanto no Ocidente quanto no resto do mundo. A divisão de Huntington já é mais precisa e inclui os conflitos com o Islamismo radical, porém negligenciou ainda as tendências econômicas dos conflitos de hoje em dia, principalmente em relação ao petróleo, e as tendências imperialistas do comunismo soviético e chinês principalmente.

Respondendo à pergunta inicial que se encontra no título do artículo, Putin parece representar, ao mesmo tempo, tanto uma continuação quanto uma separação da tradição geopolítica russa. De fato, por um lado Putin sobrevive com a ajuda de uma certa nostalgia do mundo soviético enquanto parece personificar os mesmos desejos expansionistas dos tsares. Por outro, ele inagura novos métodos de apoio internacional e busca novos horizontes (Irã, Venezuela...) que seus antepassados nunca teriam sonhado. As acusações de interferência nas eleições americanas também mostram novos métodos. Resumidamente, Putin aparece como um nostálgico esperto, capaz de fazer coexistir pensamentos e métodos retrógrados (o eurasianismo e o comunismo soviético) com um novo contexto de globalização, fora do domínio ocidental clássico.




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